Em viagem ao Xingu, Lula é criticado por cacique Raoni por exploração de petróleo na Foz do Amazonas
Durante uma visita simbólica à aldeia Piaraçu, no Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi duramente criticado por cacique Raoni Metuktire, uma das maiores lideranças indígenas do país, por defender a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. O encontro ocorreu nesta sexta-feira (4) e, embora tenha sido marcado por homenagens e rituais, revelou um conflito entre a pauta ambiental e os interesses do governo na área energética.
Apesar de condecorar o cacique Raoni com o título de Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito, a maior honraria do Executivo brasileiro, Lula ouviu críticas incisivas do líder Kayapó, que alertou sobre os riscos ambientais da iniciativa. “Podem haver consequências muito grandes”, disse Raoni ao comentar os impactos potenciais da exploração de petróleo na Margem Equatorial, região rica em biodiversidade.
Exploração de petróleo na Foz do Amazonas: tensão entre economia e meio ambiente
A Bacia da Foz do Amazonas (FZA-M-59) está localizada no litoral do Amapá, uma área ambientalmente sensível e ainda pouco explorada. Em fevereiro de 2024, Lula defendeu que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) autorize a Petrobras a realizar perfurações para busca de petróleo na região, reiterando seu apoio ao setor energético nacional.
No entanto, essa postura vem sendo duramente questionada por ambientalistas, cientistas e lideranças indígenas, que alertam para os riscos ecológicos do projeto. A Margem Equatorial abriga cinco bacias marítimas, e a Bacia da Foz do Amazonas é considerada estratégica por abrigar possível reserva significativa de petróleo. Ainda assim, sua prospecção foi barrada em maio de 2023 pelo próprio Ibama, sob justificativa de “inconsistências técnicas” no processo de licenciamento ambiental.
Entre os principais pontos apontados pelo órgão ambiental está a falta de um Plano de Proteção à Fauna adequado, essencial para mitigar impactos em uma área próxima a manguezais, recifes e territórios tradicionais.
Raoni confronta Lula: “Precisamos proteger nosso território”
Durante a cerimônia no Xingu, Raoni fez um discurso contundente, reforçando que os povos indígenas não aceitarão projetos que ameacem seus territórios e a floresta. O cacique — que se notabilizou por sua luta internacional em defesa da Amazônia e foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz — lembrou que a extração de petróleo pode trazer impactos irreversíveis, inclusive para comunidades ribeirinhas e espécies marinhas.
“A floresta precisa continuar viva. Nós protegemos isso por gerações. O petróleo pode destruir tudo. Vocês precisam nos ouvir”, declarou Raoni diante de Lula e outros representantes do governo.
Lula: “Indígenas são fundamentais para zerar o desmatamento”
Apesar do embate, Lula buscou reforçar seu compromisso com os povos originários. O presidente reconheceu a importância das comunidades indígenas no combate ao desmatamento e afirmou que elas terão papel fundamental para que o Brasil cumpra a meta de zerar o desmatamento da Amazônia até 2030.
“Vocês têm direito de reivindicar quantos territórios forem necessários pra gente manter a cultura e a tradição indígena”, disse Lula durante seu discurso.
O presidente também ouviu demandas locais e participou de rituais com diferentes etnias, destacando a criação de novas terras indígenas homologadas durante seu governo, além de políticas para educação indígena, saúde diferenciada e autonomia territorial.
Ibama segue pressionado: licença permanece negada
Até o momento, o Ibama mantém a negativa da licença para perfuração marítima na Foz do Amazonas, apesar da pressão da Petrobras e do próprio presidente Lula. Técnicos do órgão afirmam que a empresa não apresentou garantias suficientes para atuação segura em uma área ecologicamente sensível.
A decisão técnica é apoiada por entidades como o Instituto Socioambiental (ISA), WWF-Brasil, Greenpeace e outras organizações ambientais, que alegam que a exploração de petróleo naquela região poderia comprometer os recifes amazônicos, afetar a reprodução de espécies marinhas e agravar a crise climática.
Bacia da Foz do Amazonas: o que está em jogo?
A exploração da Bacia da Foz do Amazonas é vista pela Petrobras como estratégica para reposição das reservas de petróleo do país. Estudos indicam que a Margem Equatorial, que se estende do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte, pode conter bilhões de barris de petróleo — uma possível nova fronteira energética.
O governo vê na região uma oportunidade de crescimento econômico, geração de empregos e aumento de arrecadação. No entanto, especialistas argumentam que apostar em combustíveis fósseis neste momento contraria os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, além de prejudicar o avanço da transição energética.
Entre o petróleo e a preservação: o dilema de Lula
O embate entre Lula e o cacique Raoni escancara um dilema que o governo enfrenta desde o início do mandato: como conciliar desenvolvimento econômico e responsabilidade ambiental. A condecoração de Raoni, apesar de simbólica, acabou ficando em segundo plano diante das críticas feitas ao próprio presidente.
Essa contradição tem gerado críticas também entre eleitores progressistas, que esperavam do governo uma postura mais firme contra projetos de exploração ambientalmente sensíveis. Ao mesmo tempo, setores empresariais pressionam por mais agilidade nos licenciamentos e apontam que o Brasil pode perder espaço na geopolítica energética se não explorar novas fronteiras.