PF investiga suposto elo entre quadrilha de venda de sentenças e ministro do STJ
Uma reportagem da Revista Veja revelou uma investigação da Polícia Federal sobre um suposto vínculo entre uma quadrilha de venda de sentenças e um ministro do Superior Tribunal de Justiça.
A revista teve acesso a mensagens e documentos inéditos que mostram como os criminosos operavam.
O advogado Roberto Zampieri era conhecido em Mato Grosso por sua boa relação com setores do Judiciário e por sua impressionante taxa de sucesso em casos difíceis. Andreson de Oliveira Gonçalves, que atuava como empresário de transporte de cargas, foi seu parceiro em um esquema milionário. O advogado captava clientes interessados em processos no Superior Tribunal de Justiça, enquanto o empresário utilizava sua rede de contatos em Brasília para manipular os resultados dos julgamentos. O esquema, revelado por VEJA há duas semanas, funcionou até dezembro do ano passado, quando Zampieri foi assassinado em Cuiabá — um crime ainda envolto em mistério. Ao lado do corpo, a polícia encontrou seu celular, que continha áudios, mensagens e documentos que evidenciavam a venda de sentenças, envolvendo, até onde se sabe, o gabinete de quatro ministros da segunda corte mais importante do país. A infiltração criminosa, no entanto, pode ter se estendido ainda mais.
A partir dos diálogos e documentos encontrados no celular do advogado falecido, a Polícia Federal abriu um inquérito. O material indicava que um grupo de advogados e lobistas estava comprando e vendendo decisões judiciais do STJ. As mensagens recuperadas continham insinuações sobre o comportamento de vários ministros, minutas de sentenças e comprovantes de pagamentos. A investigação inicial se concentrou nos gabinetes dos ministros Isabel Gallotti, Og Fernandes, Nancy Andrighi e Paulo Moura Ribeiro, com indícios de que funcionários desses gabinetes haviam sido corrompidos. Em troca de dinheiro, eles antecipavam veredictos e alteravam decisões em benefício dos clientes, tudo aparentemente sem o conhecimento dos chefes.
Na semana passada, essa percepção mudou. O telefone de Zampieri continha diálogos que indicavam o pagamento de propinas a servidores do STJ. Seguindo o dinheiro, os investigadores solicitaram ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) um levantamento das movimentações financeiras dos suspeitos. O resultado trouxe um fato novo que pode elevar a investigação a um novo patamar. Técnicos do Coaf detectaram movimentações financeiras atípicas envolvendo Andreson Gonçalves, um intermediário e o ministro Paulo Moura Ribeiro. Embora uma transação considerada fora do padrão não signifique, necessariamente, que o magistrado tenha cometido crime, obrigou a polícia a encaminhar o inquérito ao Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar se a investigação deve prosseguir.
Moura Ribeiro negou qualquer envolvimento e afirmou nunca ter ouvido falar de Andreson Gonçalves antes do escândalo. O lobista, por sua vez, também negou qualquer transação com o magistrado, afirmando que as acusações prejudicam sua atuação como empresário. No entanto, as mensagens recuperadas contradizem suas afirmações.
VEJA teve acesso ao conteúdo encontrado no celular de Zampieri, que está sob sigilo desde sua apreensão há mais de dez meses. Esse material originou duas outras investigações, além da da Polícia Federal. Uma delas, realizada pelo Conselho Nacional de Justiça, resultou no afastamento de um juiz e dois desembargadores de Mato Grosso envolvidos no esquema. No STJ, foi aberta uma sindicância para investigar o envolvimento de servidores dos gabinetes mencionados. Embora a sindicância não tenha encontrado evidências de participação dos magistrados, identificou dois funcionários suspeitos de comercializar decisões — um deles está desaparecido desde que o caso foi revelado.
Os diálogos e documentos revelaram negociações para atrasar casos de interesse milionário, manipular mandados de busca, vazar pedidos de prisão e até criar rascunhos de decisões. Em uma das mensagens, Zampieri perguntou a Andreson se ele poderia reverter uma situação, ao que o lobista respondeu que era preciso pagar um funcionário ligado à ministra Isabel Gallotti.
As mensagens também mostram que os criminosos tinham acesso a decisões sigilosas antes de serem proferidas. Um dos diálogos inclui Andreson comemorando a obtenção de sentenças favoráveis a seus interesses. Os arquivos revelaram transferências de dinheiro de Zampieri para a empresa de Gonçalves, além de diálogos explícitos sobre o pagamento de propinas.
Em um caso específico, Zampieri representou um casal contra um grande banco por uma fazenda avaliada em 67 milhões de reais. Mensagens recuperadas mostram que um “amigo” enviou uma minuta antecipando a decisão do ministro João Otávio de Noronha, a qual foi rapidamente encaminhada a Zampieri, que a elogiou por ser idêntica à decisão final da ministra Isabel Gallotti.
Andreson e Zampieri, que se conheciam há mais de 25 anos, discutiam pagamentos de propinas e estratégias para “fidelizar” clientes. O lobista implementou um sistema que apagava mensagens a cada 24 horas, mas o conteúdo encontrado ainda revela que as “transações” variavam entre 50 e 100 mil reais.
As investigações também revelaram uma relação inadequada entre Zampieri e o desembargador Sebastião de Moraes Filho, onde trocavam mensagens sobre assuntos pessoais e profissionais, incluindo transferências financeiras. O CNJ afastou Moraes Filho após indícios de que ele recebia vantagens indevidas relacionadas ao esquema de venda de decisões.
A última mensagem recuperada no celular de Zampieri foi enviada por Moraes Filho na madrugada do dia em que o advogado foi assassinado, expressando pesar pela perda do parceiro de longa data.