Fiscais deixam cargos após ministro interferir por JBS em “lista suja”
Pelo menos nove auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pediram demissão de cargos de coordenação regional em protesto contra a decisão do ministro Luiz Marinho de revisar uma investigação que poderia incluir a JBS Aves no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão — a chamada “lista suja” do trabalho escravo.
O anúncio da debandada foi feito no dia 25 de setembro, durante reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Os auditores alegam insegurança institucional e interferência política em um trabalho técnico.
Segundo a ONG Repórter Brasil, especializada na cobertura de direitos trabalhistas, embora a ausência de coordenadores regionais não inviabilize as ações de fiscalização, a decisão prejudica e atrasa as operações de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Entenda o caso
Em dezembro de 2024, auditores do MTE encontraram dez trabalhadores em condições degradantes em Arvorezinha (RS). Eles atuavam no carregamento e descarregamento de cargas para uma unidade da JBS Aves, mas estavam formalmente contratados por uma empresa terceirizada.
De acordo com o relatório da inspeção, os trabalhadores eram submetidos a jornadas de até 16 horas diárias, dormiam em locais sem acesso a água potável e condições mínimas de higiene. A equipe técnica concluiu que a JBS deveria ser responsabilizada por não fiscalizar adequadamente as práticas da empresa contratada.
A conclusão abriria caminho para que a empresa fosse incluída na “lista suja”, o que poderia impedir a JBS Aves de acessar linhas de crédito em bancos públicos e afetar sua imagem no mercado nacional e internacional.
Ministro decide revisar investigação
Em agosto de 2025, o processo interno de responsabilização foi concluído pelos fiscais, mas o ministro Luiz Marinho decidiu rever a investigação antes da inclusão da JBS no cadastro, com o aval da Advocacia-Geral da União (AGU).
Segundo parecer da AGU, publicado pela agência Reuters, a inclusão da empresa traria “repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude”, com impactos no setor como um todo. A AGU argumenta que é preciso avaliar os reflexos comerciais, reputacionais e financeiros da medida.
A decisão do ministro gerou forte reação entre os auditores fiscais, que consideram que houve quebra de confiança entre a alta cúpula da pasta e a linha técnica.
Reações e posicionamentos
Em nota, o presidente da Agitra (Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho), Renato Barbedo Futuro, disse que a decisão de Marinho causa “profunda estranheza e preocupação”, e enfraquece o combate ao trabalho escravo contemporâneo no país.
A JBS, por sua vez, informou que rescindiu o contrato com a empresa terceirizada assim que tomou conhecimento das irregularidades. “A companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”, afirmou a empresa em nota.
Até o momento, o Ministério do Trabalho não respondeu aos pedidos de esclarecimento feitos pela imprensa.