Relatório da OEA aponta restrições à liberdade de expressão no Brasil e critica atuação do STF

O relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil questiona a narrativa oficial de que medidas recentes adotadas pelo Estado brasileiro representariam uma “defesa da democracia”. Segundo o documento da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o país passou a impor restrições significativas ao direito de manifestação por meio de decisões judiciais consideradas arbitrárias, concentradas e politicamente orientadas.

Após uma visita oficial ao Brasil realizada em fevereiro de 2025, a OEA registrou um cenário que, de acordo com o relatório, vem se consolidando desde 2019: a ampliação do papel do Supremo Tribunal Federal (STF) para além da interpretação constitucional, passando a atuar diretamente na regulação do debate público.

De acordo com o documento, sob o argumento de conter supostos “ataques à democracia”, o STF teria assumido competências que extrapolam suas atribuições constitucionais, relativizando princípios como o devido processo legal, o contraditório e a separação entre as funções de investigar, acusar e julgar. A Relatoria aponta preocupação com a instauração de inquéritos de ofício, sem participação do Ministério Público, sem distribuição regular e sem prazos definidos, conduzidos de forma sigilosa.

A OEA ressalta que a liberdade de expressão é protegida pela Constituição brasileira como cláusula pétrea, com vedação expressa à censura prévia. Ainda assim, o relatório afirma que decisões judiciais recentes resultaram em remoções de conteúdo, bloqueios de perfis, aplicação de multas e até prisões preventivas com base em fundamentos considerados imprecisos.

Um dos principais pontos criticados é o uso do termo “desinformação”. Segundo a Relatoria, o conceito carece de definição legal clara, critérios objetivos e parâmetros probatórios compatíveis com os padrões internacionais de direitos humanos, não podendo servir de base para sanções estatais. Apesar disso, o relatório aponta que o termo foi utilizado para justificar medidas contra jornalistas, parlamentares, influenciadores digitais e cidadãos comuns.

O documento também analisa a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, segundo a OEA, extrapolou sua função de garantir a lisura do processo eleitoral ao assumir um papel ativo na filtragem do debate público. Conteúdos classificados como “notoriamente inverídicos” teriam sido removidos sem critérios transparentes, perícia independente ou garantia de ampla defesa.

Outro ponto de preocupação destacado é o impacto sobre a imprensa. A Relatoria observa um aumento de ações judiciais consideradas abusivas, indenizações desproporcionais e medidas de censura prévia, criando um ambiente de insegurança para o jornalismo investigativo. O relatório aponta que esse cenário favorece a autocensura e enfraquece o papel fiscalizador da imprensa.

A imunidade parlamentar também é abordada. Segundo a OEA, investigações e sanções contra parlamentares por manifestações feitas no exercício do mandato representam risco à separação dos Poderes e podem subordinar a representação popular à tutela judicial.

Na conclusão, o relatório afirma que nenhuma democracia se sustenta com a concentração excessiva de poder em um único órgão. Para a Relatoria, ao tentar preservar a democracia por meio de mecanismos de exceção, o Estado brasileiro acabou por fragilizá-la, incentivando a radicalização e reduzindo o espaço para o pluralismo político.

A OEA recomenda a imposição de limites objetivos ao poder judicial, o respeito integral ao devido processo legal, o abandono de conceitos vagos como “desinformação” e a proteção efetiva da liberdade de expressão. Segundo o documento, ignorar essas recomendações não configura uma falha técnica, mas uma decisão política.

O relatório conclui que a democracia não é ameaçada pelo excesso de vozes, mas pelo momento em que o poder passa a decidir quem pode falar, o que pode ser dito e quais opiniões são aceitáveis.

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Bruno Rigacci

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