OEA lança relatório, cita diretamente decisões do STF e TSE e alerta para riscos à liberdade de expressão

A Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou nesta sexta-feira (26) um relatório no qual manifesta preocupação com possíveis ameaças à liberdade de expressão no Brasil. O documento analisa decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e normas editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apontando riscos de restrições desproporcionais ao debate público.

O relatório foi elaborado pela Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e é resultado de uma visita oficial ao Brasil realizada em 2024 pelo relator Pedro Vaca, a convite do governo federal.

Entre os principais pontos destacados está o uso de ordens judiciais para a remoção de conteúdos da internet. Segundo a relatoria, esse tipo de medida pode gerar um “efeito inibidor” sobre a livre circulação de ideias e informações. O documento afirma que o uso do Direito Penal para punir expressões de interesse público é, em regra, incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, por constituir sanção considerada desproporcional.

O relatório ressalta ainda que pessoas que ocupam cargos públicos devem tolerar um grau mais elevado de críticas em razão de suas funções. Para a OEA, sanções penais aplicadas a críticas dirigidas a autoridades tendem a desestimular o debate público e a incentivar a autocensura. A relatoria recomenda que os Estados promovam mudanças legislativas para evitar a abertura de processos penais baseados em manifestações críticas contra agentes públicos.

A Resolução nº 23.714/2022 do Tribunal Superior Eleitoral recebe atenção específica no documento. A norma estabelece critérios para a retirada de conteúdos classificados como “sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados”, permitindo a exclusão de publicações em até duas horas, sob pena de multas por hora de descumprimento. O relatório observa que a resolução também autoriza a remoção de conteúdos considerados “idênticos” a outros já declarados ilícitos e admite, em casos de descumprimento reiterado, a suspensão temporária de plataformas digitais no Brasil.

Para a OEA, prazos reduzidos e sanções rigorosas ampliam o risco de restrições excessivas à circulação de informações de interesse público, especialmente em períodos eleitorais.

Outro ponto levantado diz respeito ao uso frequente de medidas cautelares pelo STF para limitar manifestações e publicações. Segundo a relatoria, essas medidas são frequentemente adotadas de forma provisória ou interlocutória e prorrogadas sem prazo claro para encerramento, o que pode resultar em restrições a direitos fundamentais sem comprovação definitiva da prática de crime.

O relatório também critica a ausência de critérios jurídicos precisos para definir o que caracteriza discurso de ódio ou desinformação. De acordo com o documento, a imprecisão conceitual pode abrir espaço para limitações injustificadas ao debate público sobre temas de interesse coletivo.

A OEA ainda questiona decisões judiciais brasileiras que determinam a retirada global de conteúdos, e não apenas no território nacional. Para a relatoria, o entendimento de que a remoção restrita ao Brasil seria insuficiente levanta dúvidas quanto à proporcionalidade das medidas e ao alcance da jurisdição brasileira fora de suas fronteiras.

Como exemplo, o relatório cita o caso da revista Crusoé, que teve uma reportagem retirada do ar por decisão do STF em 2019. À época, o veículo publicou informação envolvendo o ministro Dias Toffoli com base em documentos da Operação Lava Jato. Segundo a relatoria, decisões desse tipo podem caracterizar censura judicial e produzir efeito inibidor sobre a atividade jornalística.

O documento destaca que sanções elevadas e ordens de remoção baseadas em critérios genéricos, quando aplicadas de forma recorrente, podem dificultar a manutenção da atividade jornalística e afetar não apenas um veículo específico, mas o ecossistema informativo como um todo.

Na conclusão, a OEA afirma que o enfrentamento ao discurso de ódio e à desinformação deve respeitar os princípios da proporcionalidade, da legalidade e da clareza normativa. Para a relatoria, o fortalecimento do debate público passa pela ampliação — e não pela restrição — da circulação de ideias e argumentos.

Apesar das críticas, o relatório reconhece que o Brasil possui instituições democráticas sólidas. Segundo a OEA, o país realiza eleições livres e justas, mantém a separação de poderes e opera sob o Estado de Direito, com estruturas constitucionais voltadas à proteção dos direitos humanos.

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Bruno Rigacci

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