O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), usou a sessão desta terça-feira (21/10) para relembrar o episódio em que o PSDB, após a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff (PT) nas eleições presidenciais de 2014, solicitou uma auditoria especial ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o resultado das urnas eletrônicas. A fala ocorreu durante o julgamento do núcleo 4 da chamada “suposta trama golpista” relacionada aos eventos de 8 de janeiro.
Fux usou o episódio como contraponto ao tratamento dado pelo TSE e pela Justiça aos questionamentos feitos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados, que também colocaram em dúvida a integridade das eleições — neste caso, com desdobramentos criminais. O ministro direcionou parte de sua fala ao colega Alexandre de Moraes, ex-filiado ao PSDB entre 2015 e 2017 e atual relator das ações sobre os ataques à democracia.
“Vossa Excelência sabe, e eu sei também, que não se trata da primeira vez que um candidato à Presidência provoca o TSE quanto à regularidade das eleições”, afirmou Fux. “Em 30 de outubro de 2014, Vossa Excelência já estava na magistratura ou no governo, uma das duas. Aquela corte eleitoral foi instada pelo partido do candidato derrotado à realização de uma auditoria especial.”
Na ocasião de 2014, o PSDB justificou o pedido como uma forma de “tranquilizar os eleitores” diante de rumores nas redes sociais, mesmo tendo declarado “absoluta confiança” na segurança das urnas. A solicitação foi acolhida, e a auditoria concluiu que não havia indícios de fraude no pleito.
Segundo Fux, a resposta institucional na época foi mais equilibrada e menos criminalizante do que a adotada em anos recentes:
“Naquela vez, era outro candidato. Em vez de rejeitar de plano ou criminalizar qualquer coisa, ou impor uma multa bilionária, e qualificá-la como ataque às instituições democráticas, o TSE tomou a sábia decisão de autorizar a auditoria e, posteriormente, apresentar seus resultados à sociedade.”
Críticas crescentes e votos polêmicos
A fala de Fux ocorre em um momento em que ele tem demonstrado crescente distanciamento em relação ao posicionamento da maioria dos ministros do STF nos processos relacionados ao 8 de janeiro. Recentemente, ele votou pela anulação do julgamento do chamado “núcleo das fake news” e fez duras críticas ao ministro Gilmar Mendes. Também admitiu publicamente que o Supremo cometeu “injustiças” em algumas decisões ligadas aos atos antidemocráticos:
“A minha consciência já não me permitia sustentar certas posições”, disse.
No julgamento em andamento, Fux tem adotado postura mais cautelosa, questionando os limites entre críticas ao sistema eleitoral e efetiva incitação ao golpe — distinção que, para ele, precisa ser juridicamente mais clara e equilibrada.
Clima tenso no STF
A sessão desta terça-feira foi marcada por um clima tenso e trocas de farpas veladas entre os ministros. Embora Moraes não tenha respondido diretamente a Fux, a menção ao seu passado no PSDB e à atuação do partido em 2014 gerou desconforto.
Nos bastidores, a lembrança do episódio envolvendo Aécio Neves é vista como uma tentativa de mostrar que críticas ao sistema eleitoral não eram, até pouco tempo atrás, tratadas como ameaça institucional — argumento frequentemente usado pela defesa de Bolsonaro.
Com esse posicionamento, Fux se alinha a uma ala minoritária do STF que prega maior moderação na resposta jurídica aos envolvidos na trama golpista, especialmente no que diz respeito ao equilíbrio entre liberdade de expressão, contestação política e atos efetivamente criminosos.
Contexto político e institucional
A fala de Fux também reacende o debate sobre o papel do Judiciário na crise institucional que marcou o fim do governo Bolsonaro e os desdobramentos dos atos de 8 de janeiro. Ao trazer o caso do PSDB à tona, ele sugere que a legitimidade do processo eleitoral deve ser defendida com firmeza, mas sem perder de vista a proporcionalidade e a coerência institucional — inclusive com base em precedentes.
A crítica implícita ao TSE e ao ministro Moraes sinaliza que, mesmo dentro do Supremo, há divergências relevantes sobre a condução das investigações e os limites das punições aplicadas até aqui.
A expectativa agora gira em torno dos votos dos demais ministros no núcleo 4 e de como a Corte vai reagir às crescentes manifestações de insatisfação vindas de dentro e fora do Judiciário.
