Num mundo digitalizado, processos no gabinete de Moraes eram físicos e a OAB sabia de tudo
A audiência desta terça-feira (2), realizada pela Comissão de Segurança Pública do Senado, ganhou contornos ainda mais alarmantes com as novas revelações do ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no TSE, Eduardo Tagliaferro. Entre as denúncias já graves sobre o uso indevido da estrutura do Tribunal para alimentar inquéritos no STF, uma nova camada de preocupações foi adicionada: o funcionamento interno do próprio gabinete de Moraes.
Segundo Tagliaferro, todos os processos sob responsabilidade do ministro são mantidos em formato físico, mesmo em plena era digital. A prática, segundo ele, não seria apenas retrógrada, mas deliberadamente usada para dificultar o acesso a informações e garantir controle total sobre o que é — ou não — revelado às partes envolvidas.
“Só se disponibiliza o que ele quer, quando ele quer. O restante fica guardado. Não há transparência. E todos os advogados sabem disso”, afirmou o ex-assessor, que agora vive na Itália sob risco de extradição.
A denúncia mais grave, porém, vai além da conduta do magistrado: a suposta conivência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com Tagliaferro, a entidade sempre teve conhecimento dessas práticas e, mesmo assim, optou por um silêncio que agora beira o cúmplice.
A OAB acabou?
Durante décadas, a OAB foi símbolo de resistência democrática e defensora intransigente do direito à ampla defesa, ao contraditório e às garantias fundamentais. Agora, diante de denúncias gravíssimas sobre o cerceamento sistemático do direito de defesa e da manipulação seletiva do acesso a provas, a OAB permanece em silêncio.
Para muitos senadores presentes na audiência, esse silêncio não é apenas constrangedor — é revelador de uma entidade que parece ter perdido sua razão de existir. Como bem disse um dos parlamentares durante a sessão: “A OAB de hoje se encolheu diante do poder que deveria fiscalizar. A entidade acabou.”
Segurança jurídica em risco
As denúncias colocam em xeque a integridade de decisões tomadas sob esse modelo de acesso seletivo à informação. Se confirmado que apenas parte dos autos é disponibilizada às defesas, como conciliar isso com o princípio da paridade de armas e da ampla defesa?
A existência de processos físicos — em pleno 2025 — torna ainda mais difícil a auditoria externa ou qualquer tentativa de reconstrução do histórico real das decisões. Essa “opacidade operacional” pode estar sustentando um modelo de justiça que se afasta dos valores republicanos e se aproxima de práticas autoritárias.
E agora?
As revelações de Tagliaferro não apenas reforçam a necessidade de uma investigação mais ampla sobre o Judiciário, como também colocam pressão sobre as instituições que deveriam garantir a lisura dos processos — entre elas, a própria OAB.
Se as denúncias forem verdadeiras, trata-se de um colapso institucional silencioso: um Judiciário concentrando poder de forma arbitrária e uma Ordem dos Advogados que já não defende seus representados nem os pilares da justiça.
No centro da tempestade está Alexandre de Moraes, mas ao redor dele há um sistema inteiro que — por ação ou omissão — pode estar sustentando práticas incompatíveis com o Estado Democrático de Direito.