Perda ‘automática’ de mandato de Zambelli pode ampliar desgaste entre STF e Câmara
A condenação da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) a mais de 10 anos de prisão em regime fechado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu um dos pontos mais sensíveis nas relações entre os Poderes: quem deve dar a palavra final sobre a perda de mandato parlamentar em caso de condenação criminal.
Zambelli foi considerada culpada por envolvimento direto na invasão dos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por ações antidemocráticas. A decisão do Supremo foi unânime, mas a forma como o ministro relator Alexandre de Moraes propôs a perda de mandato da deputada pode ampliar o já tenso cenário de embate institucional entre o Judiciário e o Legislativo.
Disputa constitucional à vista
Pelo artigo 55 da Constituição Federal, deputados e senadores perdem o mandato quando há condenação criminal transitada em julgado, mas a cassação depende de votação no plenário da Câmara ou do Senado, com maioria absoluta dos votos (257 deputados).
No entanto, Moraes propôs um caminho diferente. Em seu voto, ele sugere que a cassação seja automática, sem necessidade de aprovação do plenário, com base em outro trecho do mesmo artigo: o que prevê perda de mandato por ausência em mais de um terço das sessões ordinárias, sem justificativa, o que se aplicaria a parlamentares presos por longos períodos.
“Como no caso concreto a pena a ser cumprida no regime fechado supera 120 dias, isso impediria o comparecimento da parlamentar a mais de um terço das sessões legislativas, o que leva à perda automática do mandato”, escreveu Moraes em seu voto.
Esse entendimento, no entanto, não é consensual dentro do Congresso Nacional.
Reação na Câmara: “usurpação de prerrogativas”
Interlocutores da Mesa Diretora da Câmara classificaram nos bastidores a posição de Moraes como uma tentativa de esvaziar o poder do Legislativo. Parlamentares ouvidos reservadamente avaliam que a medida representa uma “usurpação de prerrogativas constitucionais”, já que caberia exclusivamente ao plenário da Câmara decidir se um deputado deve ou não perder o mandato por condenação criminal.
A resistência tende a crescer especialmente entre os membros da bancada conservadora, que veem o caso como mais um episódio de tensão entre o STF e parlamentares aliados de Jair Bolsonaro, também sob investigação por atos antidemocráticos.
Cenário político: risco de novo impasse institucional
A situação abre um cenário de conflito jurídico-político. Se a Câmara decidir que é necessária votação em plenário para a cassação de Zambelli, poderá protelar ou até rejeitar a perda do mandato — criando uma situação em que uma deputada condenada a 10 anos de prisão formalmente ainda mantém o cargo.
Já se acatar a posição do STF e executar a perda de mandato de ofício, a Casa estará reforçando um novo entendimento constitucional que pode impactar outros casos semelhantes no futuro — inclusive de adversários ou aliados.
A avaliação nos bastidores do Congresso é de que o precedente pode ser perigoso, não apenas para parlamentares com pendências judiciais, mas para a autonomia do Legislativo frente ao Judiciário.
O que pode acontecer agora?
Recursos da defesa: A defesa de Carla Zambelli ainda pode apresentar recursos ao próprio STF, o que pode adiar a execução da pena.
Ato da Mesa Diretora: Caso o entendimento de Moraes prevaleça, a Mesa Diretora da Câmara poderá declarar a perda do mandato sem submeter ao plenário, mas essa decisão poderá ser judicializada por parlamentares contrários à cassação automática.
Judicialização futura: O caso pode chegar novamente ao STF sob outra ótica — um embate entre Poderes sobre o alcance de suas competências constitucionais.
Zambelli e a retórica da perseguição
Após a condenação, Carla Zambelli publicou vídeo em suas redes sociais, reafirmando sua inocência e se dizendo vítima de uma “perseguição política escancarada”. Ela declarou que sua ausência no plenário se daria por uma prisão injusta e que a tentativa de cassar seu mandato sem votação seria um ataque direto ao Estado de Direito e à soberania do voto popular.
“Não há justiça quando se tenta calar uma deputada eleita pelo povo, que apenas expressa opiniões amparadas pela Constituição”, disse.
Conclusão: a crise que pode crescer
O caso Zambelli pode ser apenas o início de uma nova tensão entre o STF e o Congresso, sobretudo em tempos de recrudescimento das disputas políticas e jurídicas envolvendo figuras ligadas ao bolsonarismo.
O embate sobre a cassação do mandato da deputada não se resume a um debate técnico. É um teste institucional sobre os limites entre Poderes, com consequências duradouras para a estabilidade democrática e a interpretação da Constituição.
Se a crise evoluir, o Brasil pode assistir a mais um capítulo da polarização entre o Judiciário e o Legislativo, numa conjuntura já marcada por desconfiança mútua, pressão popular e incertezas jurídicas.