STF suspende julgamento sobre quebra de sigilo de quem pesquisou por Marielle

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista e suspendeu o julgamento de um recurso apresentado pelo Google no âmbito das investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A decisão interrompe temporariamente a análise de um caso com repercussão geral — ou seja, que terá impacto em todo o Judiciário.

O que está em jogo

O julgamento discute se é constitucional a quebra de sigilo de dados de usuários da internet sem que essas pessoas estejam previamente identificadas como suspeitas, mas sim por terem feito buscas com determinados termos relacionados a Marielle Franco nos dias que antecederam o crime.

A controvérsia gira em torno do chamado “geofence warrant” ou “reverse search” — uma espécie de mandado reverso, no qual se solicitam dados de todos os usuários que pesquisaram por determinadas palavras-chave ou estiveram em uma área geográfica específica, antes mesmo de serem alvos formais de investigação.

O Google argumenta que esse tipo de varredura representa uma “intrusão inconstitucional” na privacidade dos usuários, por ser uma ação ampla e sem individualização, o que violaria princípios fundamentais como o direito à intimidade e à proteção de dados.

Divisão entre os ministros do STF

O julgamento teve início em 2023 no Plenário Virtual do STF e até agora está empatado:

  • Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin votaram a favor da quebra de sigilo, desde que haja suspeita fundamentada e delimitação clara da busca.

  • Rosa Weber (já aposentada) e André Mendonça votaram contra, defendendo que a medida é desproporcional e viola a privacidade de cidadãos que não são investigados formalmente.

Com o pedido de vista de Gilmar Mendes, a decisão final foi adiada por tempo indefinido.

O caso e o contexto da investigação

O recurso foi movido contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou a quebra de sigilo de todos os usuários que buscaram por termos como “Marielle Franco”, “vereadora Marielle”, “Casa das Pretas” ou “Rua dos Inválidos” — locais e nomes relacionados à agenda da parlamentar — nos quatro dias que antecederam o assassinato, em março de 2018.

O STJ considerou a medida válida e fundamentada, uma vez que delimitava o tempo, o local e os termos buscados. A corte entendeu que o objetivo era rastrear eventuais envolvidos no planejamento do crime, não vigiar indiscriminadamente a população.

“A ordem judicial delimita parâmetros objetivos de espaço e tempo”, destacou a decisão do STJ, afastando alegações de arbitrariedade.

O que pode acontecer a partir de agora

Com o pedido de vista de Gilmar Mendes, o julgamento fica suspenso até que o ministro libere o processo para retomada. Quando isso ocorrer, outros integrantes da Corte ainda deverão votar, entre eles Luiz Fux, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso.

A decisão do STF definirá uma tese vinculante (Tema 1.148 da repercussão geral), que servirá de precedente obrigatório para todo o Judiciário brasileiro em casos semelhantes, envolvendo limites entre privacidade digital e o poder investigativo do Estado.

Impacto para o futuro

A decisão tem implicações relevantes para o futuro da proteção de dados no país, especialmente diante do avanço das tecnologias de rastreamento digital. Ela também toca em pontos sensíveis do Estado Democrático de Direito: até onde vai o dever do Estado de investigar crimes? E onde começa o direito do cidadão ao anonimato digital?

Enquanto o julgamento não é retomado, a investigação do caso Marielle segue em curso, com novas revelações apontando possíveis mandantes do crime e o envolvimento de figuras do crime organizado do Rio de Janeiro.

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Bruno Rigacci

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