A TRAIÇÃO DE MOTTA: Hugo Motta articula com partidos isolar PL da anistia, diz Folha
Segundo apuração da Folha de S.Paulo, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), protagoniza uma ofensiva silenciosa — mas eficaz — contra o PL de Jair Bolsonaro. Em articulação com líderes de 14 partidos, Motta montou uma coalizão para isolar os bolsonaristas e frear o avanço do projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
A manobra tem o potencial de mudar os rumos do debate no Legislativo e já começa a surtir efeito. Com 92 deputados, o PL foi deslocado do centro das decisões, acompanhado apenas pelo Partido Novo, que tem 4 representantes. A estratégia é clara: empurrar o projeto para a famosa gaveta das propostas “em debate eterno”.
PL reage com ameaças, mas perde espaço
A movimentação ocorre em meio à pressão crescente do PL pela votação urgente do projeto. O líder da legenda, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), reagiu à articulação com ameaças: falou em romper com Motta e prometeu travar a liberação de emendas parlamentares. A resposta, porém, não comoveu os demais líderes, que seguiram unidos no plano de esvaziamento.
A situação escancarou-se na noite de quarta-feira (23), quando Motta recebeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para um jantar reservado com os articuladores da estratégia. No dia seguinte, esses mesmos líderes compareceram à reunião do colégio de líderes com um alinhamento prévio que deixou o PL praticamente falando sozinho.
Justificativa: “aperfeiçoar o texto”
Publicamente, Motta adota um tom conciliador e diz que o texto precisa de “aperfeiçoamentos”. Mas no jargão político, esse termo costuma ser sinônimo de “engavetamento”. O presidente da Câmara propõe uma versão mais moderada da anistia — que alivie eventuais penas desproporcionais, mas mantenha punições para os responsáveis por vandalismo e destruição.
O atual projeto, relatado pelo deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE), aliado de Bolsonaro, prevê anistia ampla para todos os envolvidos em manifestações desde o segundo turno de 2022, incluindo organizadores, financiadores e apoiadores dos atos que resultaram na invasão das sedes dos Três Poderes.
Juristas divergem sobre a extensão do texto, que alguns enxergam como uma tentativa velada de blindar o próprio Bolsonaro, hoje réu no STF por tentativa de golpe de Estado.
Judiciário entra em cena e esvazia pauta
Nos bastidores, aliados do ex-presidente observam outro movimento que preocupa: discussões no Supremo Tribunal Federal sobre flexibilizações nas penas de condenados pelos atos de 8 de janeiro — com possibilidade de conversão para prisão domiciliar. Isso poderia retirar parte da urgência da pauta da anistia, que se veria esvaziada de sua função principal.
Isolamento estratégico ou traição?
O movimento liderado por Motta é visto por bolsonaristas como uma traição. Mas, para observadores mais pragmáticos, trata-se apenas de uma jogada típica da política institucional: uma rearrumação de forças, em que os aliados de ontem viram obstáculos de hoje.
O resultado prático é que o PL, que até pouco tempo dominava as articulações no Congresso, vê-se agora isolado no mesmo terreno que acreditava controlar. O projeto de anistia, antes tratado como bandeira política, corre o risco de virar relíquia legislativa. E o nome disso, segundo analistas, é realpolitik com sobremesa servida à temperatura da conveniência.
