Moraes impõe ônus à defesa e só intima testemunhas da acusação nos processos do 8 de janeiro
Em meio à fase de instrução dos processos que apuram os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem gerado forte reação entre advogados e defensores públicos. Moraes determinou que apenas as testemunhas arroladas pela acusação serão intimadas oficialmente pela Corte. Já as testemunhas da defesa devem ser levadas diretamente pelos advogados, sem intimação judicial.
A medida foi interpretada por especialistas como um possível cerceamento do direito de defesa, especialmente em ações penais que envolvem acusações graves, como tentativa de golpe de Estado. A instrução processual marca o momento da oitiva de testemunhas e produção de provas — etapa fundamental para o andamento dos casos.
Críticas da Defensoria Pública e de advogados
Cinco advogados que atuam em processos relacionados à tentativa de golpe relataram à imprensa que a exigência pode inviabilizar depoimentos relevantes, especialmente de servidores públicos ou testemunhas de fora do Distrito Federal. A Defensoria Pública da União (DPU) questionou formalmente a prática no Supremo.
“Tem-se, de fato, um tratamento desigual entre acusação e defesa, uma vez que a exigência de apresentação de testemunhas vem pesando sobre as defesas em geral, mesmo quando indicam servidores públicos para serem inquiridos”, afirmou o defensor público Gustavo Zortéa da Silva em manifestação ao STF.
Apesar do pedido da DPU, Moraes manteve o entendimento: “as testemunhas arroladas deverão ser apresentadas pela defesa em audiência, independentemente de intimação”.
Moraes veta testemunhas abonatórias
Além da regra sobre intimações, Moraes também vetou o depoimento oral de testemunhas abonatórias — aquelas que atestam a boa conduta do réu. Por decisão do ministro, essas declarações devem ser feitas por escrito e entregues até a data da audiência de instrução.
A medida vale para todos os processos relacionados ao 8 de janeiro e estabelece ainda que as testemunhas da defesa sejam ouvidas antes do interrogatório dos réus, em uma inversão comum em processos penais.
STF cita Código de Processo Civil
O STF defendeu a legalidade da medida com base no artigo 455 do Código de Processo Civil, que prevê que cabe à parte intimar suas testemunhas. A Corte afirmou que não há nulidade processual no modelo adotado e que o plenário já rejeitou pedidos nesse sentido de forma unânime.
Segundo ministros ouvidos pela imprensa sob condição de anonimato, embora o procedimento não seja o mais comum, trata-se de um “antídoto válido” para evitar que as defesas tentem prolongar excessivamente o andamento dos processos.
Decisão difere de outro caso conduzido por Moraes
Apesar da rigidez nos processos do 8 de janeiro, Moraes adotou outro critério no caso do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA), acusado de peculato. Nessa situação, o ministro determinou a intimação urgente de testemunhas da defesa, acolhendo solicitação dos advogados do parlamentar.
A diferença de tratamento foi criticada por advogados, que veem disparidade na condução de processos sob a responsabilidade do mesmo relator.
Testemunhas de peso nas listas da defesa
Com o avanço da fase de instrução, defesas dos réus apresentaram listas extensas de testemunhas, incluindo autoridades de alto escalão. A defesa de Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, indicou 29 nomes, entre eles o próprio ministro Alexandre de Moraes e seu ex-assessor no TSE, Eduardo Tagliaferro.
Já os advogados do tenente-coronel Rodrigo de Azevedo listaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Flávio Dino. A defesa de Marcelo Camara pediu o depoimento de delegados da Polícia Federal envolvidos na investigação dos atos.
Acusação mantém lista mais enxuta
A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma lista reduzida de testemunhas, com seis nomes considerados comuns a todos os réus. Estão entre eles os ex-comandantes das Forças Armadas Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Junior (Aeronáutica), além do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e outros ex-integrantes da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério da Justiça.
O Código de Processo Penal limita a oito o número de testemunhas por parte, mas o juiz pode autorizar exceções em casos considerados complexos, como é o das investigações sobre os atos de 8 de janeiro.