STF Livra atores da Globo de pesadas multas da Receita Federal

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular as multas aplicadas pela Receita Federal contra artistas da TV Globo que foram autuados em 2020 por receberem seus salários por meio de Pessoas Jurídicas (PJs). Entre os beneficiados pela decisão estão nomes conhecidos do público, como Deborah Secco, Reynaldo Gianecchini, Mateus Solano e Eliane Giardini, além de outros profissionais ligados à emissora. A medida representa uma vitória expressiva para os artistas e um duro revés para a tese da Receita Federal, que buscava reverter a prática comum de contratação de artistas via PJ.

Além da anulação das multas, a decisão do STF determina o desbloqueio dos bens que haviam sido retidos durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na época, o Fisco promoveu uma ofensiva contra contratos considerados irregulares, nos quais artistas atuavam como empresas prestadoras de serviço em vez de serem contratados como pessoas físicas. Essa estrutura de contratação é amplamente utilizada no meio artístico e em setores como publicidade, jornalismo e consultoria.

O julgamento foi realizado de forma virtual, e teve como relator o ministro Edson Fachin, que foi o único a votar contra o pedido dos artistas. Ele foi vencido pelos ministros Dias Toffoli, André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques, que formaram maioria favorável à anulação das sanções. O processo corre sob sigilo judicial, o que limita a divulgação de detalhes específicos sobre os valores e os contratos envolvidos, mas os efeitos jurídicos da decisão são amplos.

Com a vitória no STF, a tese da Receita Federal de que os artistas teriam cometido irregularidades ao atuarem como PJs foi definitivamente rejeitada. A Corte considerou que não há ilegalidade em prestar serviços artísticos por meio de empresa própria, desde que os tributos sejam pagos de forma regular. Isso reforça a legalidade desse modelo de contratação, que há décadas é adotado por grandes veículos de comunicação, como a própria TV Globo.

O advogado tributarista Leonardo Antonelli, responsável por defender diversos dos artistas envolvidos no caso, declarou que estuda mover uma ação contra a União para buscar indenizações pelos prejuízos decorrentes das autuações fiscais. Segundo ele, os bloqueios de bens e a disputa judicial impuseram custos elevados e causaram danos financeiros consideráveis a seus clientes.

Antonelli sustenta que os contratos celebrados como PJ seguem uma prática consolidada e amparada pela legislação tributária vigente. Para ele, o que ocorreu foi um “excesso” por parte da Receita Federal, que interpretou de maneira arbitrária uma situação jurídica legítima. Com a decisão do STF, ele entende que há base para reivindicar ressarcimento por parte do Estado.

A operação da Receita Federal que mirou os artistas da TV Globo foi revelada pela coluna Radar, da revista Veja, em janeiro de 2020. A investigação incluía diversos profissionais contratados como empresas por grandes emissoras e buscava apurar se essa estrutura era usada como forma de reduzir a carga tributária de forma indevida. À época, o Fisco chegou a bloquear bens e exigir o pagamento de valores milionários em impostos supostamente devidos.

No entanto, a ofensiva provocou forte reação tanto no meio artístico quanto jurídico. Especialistas apontaram que a interpretação da Receita ignorava o fato de que a legislação brasileira permite a prestação de serviços por pessoas jurídicas, mesmo quando há habitualidade ou exclusividade na relação de trabalho. Essa posição, agora validada pelo STF, confirma que a atuação da Receita foi além dos limites legais.

A decisão da Segunda Turma do STF também pode ter reflexos mais amplos. Outros profissionais autuados em circunstâncias semelhantes — incluindo jornalistas, publicitários e consultores — poderão utilizar esse precedente para contestar multas ou restrições impostas pela Receita. A medida também reforça o entendimento de que o modelo de contratação via PJ não deve ser automaticamente tratado como tentativa de sonegação fiscal.

Além disso, o caso reacende o debate sobre a necessidade de uma reforma tributária que trate com mais clareza as relações de trabalho que envolvem prestação de serviços intelectuais ou artísticos. O uso de PJs por esses profissionais é motivado, em grande parte, pela complexidade do sistema tributário brasileiro e pelas vantagens que esse modelo oferece tanto para contratantes quanto para contratados.

Por outro lado, o Fisco vem apertando a fiscalização sobre esse tipo de contrato, especialmente em tempos de déficit fiscal e pressões por aumento de arrecadação. Mesmo com a decisão do STF, a Receita pode continuar questionando contratos que considere simulados ou fraudulentos, mas agora com menos margem para interpretações arbitrárias.

A vitória de artistas renomados, como Deborah Secco e Reynaldo Gianecchini, ganhou grande repercussão não apenas pelo valor simbólico envolvido, mas também pela possibilidade de estimular outras ações judiciais em busca de compensação. Caso Antonelli avance com o pedido de indenização contra a União, será mais um desdobramento jurídico de um embate que já se estende há anos.

Com o encerramento favorável dos processos, os artistas recuperam o controle sobre seus bens e o direito de atuar profissionalmente sem o risco de novas sanções injustificadas. Para o meio artístico, a decisão representa uma reafirmação da legitimidade de práticas contratuais que, embora controversas para alguns, são há muito tempo parte da engrenagem da indústria cultural no Brasil.

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Bruno Rigacci

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