Fala de Gleisi sobre anistia gera mal-estar no STF e no Planalto

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), provocou uma nova crise entre os Poderes ao sugerir, em uma coletiva de imprensa, que o governo poderia aceitar negociar a redução de penas dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. A fala, interpretada como uma tentativa de interferência no Judiciário e como uma estratégia para evitar a aprovação do projeto de anistia total — que poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —, causou irritação no Supremo Tribunal Federal (STF) e desconforto até dentro do Palácio do Planalto.

Durante a coletiva, Gleisi deu a entender que uma parte do governo estaria disposta a abrir espaço para um acordo político com a oposição: oferecer a revisão das condenações já estabelecidas pelo STF em troca do engavetamento do projeto de anistia ampla, que pode incluir militares, organizadores e figuras do alto escalão do bolsonarismo.

“Acho plenamente defensável do ponto de vista de alguns parlamentares discutir redução de pena para algumas pessoas do 8 de janeiro. Talvez a gente até tenha que fazer essa discussão mesmo no Congresso. O que não pode acontecer é uma anistia àqueles que conduziram o processo de golpe no país, como Bolsonaro, generais, e aqueles que previram até uma operação chamada Punhal Verde e Amarelo, que previa a morte do presidente Lula e outras autoridades”, declarou a ministra aos jornalistas.

A repercussão foi imediata. Ministros do Supremo Tribunal Federal reagiram com surpresa e indignação, segundo relatos da jornalista Andréia Sadi, da GloboNews. Para eles, a fala de Gleisi representa uma grave insinuação de que o governo estaria tentando influenciar decisões do Judiciário, algo que fere diretamente o princípio da separação dos Poderes.

A leitura no STF é de que o Executivo, acuado pelo avanço da oposição no Congresso — que já conseguiu reunir assinaturas suficientes para votar a urgência do projeto de anistia —, estaria buscando uma saída política que garantisse que o ex-presidente Jair Bolsonaro fique fora da lista de possíveis beneficiados, mesmo que isso implique uma barganha sobre as penas dos réus já condenados.

Internamente, a declaração também causou desconforto no Palácio do Planalto. Fontes ligadas ao governo afirmaram que a fala da ministra das Relações Institucionais não reflete a posição oficial da Presidência da República e que Lula não autorizou nem endossou esse tipo de negociação. Assessores próximos classificaram a declaração como “improvisada” e “sem sentido jurídico ou político”, especialmente em um momento delicado para a articulação governista no Congresso.

Diante da repercussão negativa, Gleisi precisou se retratar publicamente no mesmo dia. Em nova declaração, a ministra afirmou que sua fala havia sido “mal colocada” e que a revisão de penas é prerrogativa exclusiva do STF.

“O que eu quis dizer é que cabe ao Congresso fazer a mediação com o Judiciário sobre reclamações de parlamentares em relação às penas. Mas revisar penas é papel do Judiciário. Não tem anistia nenhuma como quer Bolsonaro. Eles manipulam essa questão para confundir a população e encobrir os crimes que cometeram contra a democracia”, disse Gleisi, buscando conter o estrago.

Ela ainda reiterou: “Quero deixar claro que eventuais revisões de pena aos réus do 8 de janeiro cabem única e exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, que conduz os processos. Entendo que esse debate pode e deve ser feito na sociedade, inclusive no Congresso, como já vem acontecendo, mas sem interferir na autonomia do Judiciário.”

Apesar da tentativa de apagar o incêndio, o episódio escancarou a tensão crescente entre o STF e o Executivo, além de expor mais uma divisão dentro do próprio governo Lula em relação à condução do debate sobre os desdobramentos jurídicos dos atos antidemocráticos de janeiro de 2023.

O episódio também enfraquece a posição do Planalto no Congresso. A proposta de anistia vem ganhando força entre parlamentares da oposição, sobretudo da base bolsonarista, que veem no projeto uma maneira de reverter as condenações já proferidas pelo STF e proteger figuras-chave do movimento que resultou nos ataques às sedes dos Três Poderes.

Com a ausência do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que viajou ao exterior em pleno momento decisivo, a votação do requerimento de urgência foi adiada para o fim de abril. Isso deu fôlego ao governo, mas também aumentou a pressão sobre o Palácio do Planalto para tomar uma posição clara diante da proposta.

Enquanto isso, manifestantes pró-anistia seguem mobilizados nas ruas e nas redes sociais. Os atos têm reunido milhares de apoiadores do ex-presidente Bolsonaro, e o tema já se tornou uma das principais bandeiras da oposição neste ano. A base bolsonarista aposta no apelo popular para forçar os parlamentares a colocarem o projeto em votação o quanto antes.

Ao mesmo tempo, o STF segue firme em sua posição contrária à anistia ampla, especialmente se ela abranger figuras com papel de liderança e articulação nos atos de 8 de janeiro. Ministros da Corte têm reiterado que a punição aos responsáveis é essencial para preservar o Estado democrático de direito.

O embate em torno da anistia evidencia mais uma vez a guerra institucional e política que se desenha entre Judiciário, Executivo e Legislativo em 2025. A fala de Gleisi Hoffmann, ainda que desmentida, já foi suficiente para alimentar suspeitas, acirrar ânimos e colocar em xeque a estratégia de articulação do governo. Agora, o Planalto terá de lidar não só com a oposição crescente no Congresso, mas também com o desgaste gerado dentro da própria base e a desconfiança do Judiciário.

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Bruno Rigacci

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