PF confunde app monitoramento de filho de assessora de Carlos Bolsonaro com app de espionagem

Em meio às investigações sobre a chamada “Abin paralela”, a Polícia Federal protagonizou um episódio embaraçoso que levanta questionamentos sobre a condução de apurações altamente sensíveis. Um aplicativo de monitoramento parental, utilizado por uma assessora do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) para acompanhar a rotina do filho menor de idade, foi apontado pela PF como uma possível ferramenta de espionagem — uma confusão que, agora, lança dúvidas sobre o rigor técnico da corporação em um dos inquéritos mais politizados do país.

A situação veio à tona após a assessora ser convocada para prestar depoimento, na última sexta-feira (4). Segundo seu relato, o aplicativo — amplamente disponível nas lojas oficiais de celular — era usado exclusivamente para garantir a segurança do filho, acompanhando seu deslocamento em tempo real. Uma prática comum entre pais e mães, especialmente em grandes centros urbanos, mas que acabou sendo interpretada como uma pista de grampo ilegal.

Aplicativo familiar, suspeita federal

O episódio se tornou ainda mais polêmico quando se descobriu que a suposta “prova” constava em petição sigilosa enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). O relatório mencionava o aplicativo como um dos indícios de uso de tecnologia de espionagem dentro do núcleo próximo a Carlos Bolsonaro, alvo de investigações sobre uma rede informal de inteligência que teria atuado no governo anterior.

O problema? O app em questão nada tem a ver com interceptações ilegais. Trata-se de um software de monitoramento parental, usado para rastreamento via GPS, controle de tempo de tela e até mesmo bloqueio de conteúdo inapropriado para crianças — ferramentas amplamente comercializadas como auxílio à parentalidade digital.

Apesar da explicação da assessora, a citação do aplicativo foi tratada como elemento de relevância na investigação, gerando ruído dentro do inquérito que apura o uso do software israelense FirstMile — esse sim, uma plataforma de espionagem sofisticada, capaz de acessar remotamente dados de dispositivos móveis. O FirstMile teria sido usado pela chamada “Abin paralela” para monitorar ilegalmente políticos, jornalistas e até membros do próprio governo.

Erro técnico ou excesso interpretativo?

A confusão acendeu o alerta entre especialistas em segurança digital. Para alguns analistas, o caso evidencia uma lacuna preocupante no conhecimento técnico da PF sobre tecnologia da informação, especialmente em tempos de rápida evolução dos recursos digitais.

Para outros, o erro pode ser fruto de uma leitura excessivamente enviesada do material obtido nos celulares dos investigados — um risco comum em apurações que transitam entre o jurídico e o político.

“Confundir um app parental com uma ferramenta de espionagem é um erro primário. O perigo está em tratar qualquer elemento com aparência técnica como prova sem a devida contextualização”, disse um especialista em privacidade digital ouvido sob anonimato.

Riscos à credibilidade da investigação

A investigação sobre a “Abin paralela” já carrega um alto grau de politização. Envolvendo nomes como Carlos Bolsonaro e o ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL-RJ), o caso lida com acusações graves: uso de estrutura pública para espionagem ilegal, violação de privacidade, e interferência em órgãos de Estado com fins políticos.

Carlos Bolsonaro já foi ouvido pela Polícia Federal e negou qualquer envolvimento com a estrutura de vigilância. Disse não ter relação próxima com Ramagem e afirmou ter conhecido o deputado apenas em 2018, durante a campanha presidencial, quando este assumiu a segurança do então candidato Jair Bolsonaro.

O erro no laudo técnico sobre o aplicativo, portanto, não é apenas um detalhe — é um sinal de alerta. Quando a base da investigação inclui confusões desse tipo, a credibilidade do inquérito como um todo entra em xeque. Em um cenário onde acusações sérias são feitas contra figuras públicas, o rigor técnico precisa ser à prova de falhas.

A PF ainda não se pronunciou

Até o momento, a Polícia Federal não comentou oficialmente o episódio, tampouco revisou a petição enviada ao STF. O silêncio, no entanto, tem sido interpretado como uma tentativa de evitar ainda mais desgaste público em um caso que já movimenta paixões e disputas ideológicas.

O episódio também reacende a discussão sobre a forma como provas digitais são coletadas e analisadas em investigações criminais no Brasil. A tecnologia avança, mas a capacitação de peritos e agentes precisa acompanhar esse ritmo — sob o risco de comprometer inquéritos relevantes por interpretações equivocadas.

Abin paralela: o que se sabe até agora

A “Abin paralela” é uma expressão usada para descrever uma suposta estrutura informal de inteligência montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência durante o governo Bolsonaro. Segundo apurações da PF e do Ministério Público Federal, essa rede teria atuado à margem da hierarquia oficial da agência, com objetivos políticos e eleitorais.

Relatórios indicam que a estrutura teria usado tecnologias como o FirstMile para rastrear celulares sem autorização judicial, incluindo os de autoridades, jornalistas e adversários do Planalto. A possível conexão com o gabinete de Carlos Bolsonaro e a participação de Ramagem são linhas centrais dessa investigação.

Até agora, nenhum indiciamento foi formalizado, mas o inquérito segue em andamento sob a supervisão do STF — onde mora outra preocupação: a politização crescente da Justiça, e o uso do sistema penal como instrumento de disputa ideológica.

Conclusão: uma falha que custa caro

O episódio do aplicativo parental é, por si só, ilustrativo de uma série de problemas que atingem investigações de alta complexidade: pressa por resultados, interpretação subjetiva de dados digitais, e a sobreposição de narrativas políticas ao devido processo legal.

Num país já polarizado, a condução técnica e isenta das instituições é mais do que desejável — é vital. E quando um erro básico como esse vem à tona, o que está em jogo não é apenas o andamento de um inquérito, mas a própria confiança pública no sistema de Justiça.

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Bruno Rigacci

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