“Bolsonaro não volta”: Moraes descarta retorno do ex-presidente em entrevista à The New Yorker
Em uma entrevista polêmica à revista americana The New Yorker, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, mais uma vez reforçou sua imagem de protagonista da política institucional brasileira. Com declarações que misturam messianismo, ironia e ameaças veladas, Moraes deixou claro: considera Jair Bolsonaro politicamente acabado, Elon Musk um risco à democracia e a si mesmo um bastião intransponível do sistema judiciário. A fala, recheada de palavras fortes, não passou despercebida e reacendeu o debate sobre o papel dos ministros do STF no equilíbrio entre os Poderes.
Bolsonaro e o fim da linha política
Com firmeza quase teatral, Alexandre de Moraes cravou: “Não há a menor possibilidade” de Jair Bolsonaro retornar à Presidência. A declaração refere-se às condenações do ex-presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o tornaram inelegível até 2030. Ainda que o processo criminal sobre a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 nem sequer tenha começado, o ministro já dá como certo o fim da trajetória política de Bolsonaro.
Essa antecipação de juízo tem gerado críticas, especialmente entre juristas que defendem o devido processo legal. Para os críticos, Moraes não atua mais como juiz, mas como figura política que antecipa vereditos, fecha portas jurídicas e se apresenta como uma espécie de “salvador institucional” do Brasil. Palavras como “segurança jurídica”, “isenção” e “imparcialidade” parecem dar lugar a uma nova realidade: o Judiciário como ator central da política nacional.
O “herói do filme”
A entrevista, conduzida por Jon Lee Anderson, tem trechos dignos de roteiro de cinema. Moraes fala de si mesmo na terceira pessoa, recorda ameaças de morte, descreve operações de resgate pelas Forças Armadas e se refere ao próprio papel como “herói” de uma narrativa épica. Segundo ele, durante o governo Temer, teria dito à equipe de segurança:
“Eu não poderia morrer. O herói do filme tem que continuar.”
A frase viralizou rapidamente nas redes sociais, entre elogios e zombarias. Para alguns, é o retrato de um homem com ego inflado, desconectado da sobriedade que se espera de um magistrado da mais alta corte do país. Para outros, é um sinal de coragem e liderança em tempos de crise institucional.
Elon Musk, redes sociais e… Goebbels?
Outro trecho explosivo da entrevista foi a comparação entre Elon Musk, dono da plataforma X (antigo Twitter), e Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista. Ao criticar o que considera “censura disfarçada de liberdade de expressão”, Moraes declarou:
“Se Goebbels tivesse acesso ao X, estaríamos condenados. Os nazistas teriam conquistado o mundo.”
A analogia gerou reações imediatas. Analistas de direita e centro-direita acusaram o ministro de banalizar o nazismo, enquanto setores da esquerda mais moderada também demonstraram desconforto com o uso exagerado da figura de Goebbels para atacar um bilionário do setor tecnológico. A fala, segundo críticos, revela um padrão: Moraes vê inimigos ideológicos onde existem opositores jurídicos e posiciona sua figura como inquestionável.
Moraes e o novo STF: juiz ou combatente?
Nos últimos anos, Alexandre de Moraes se consolidou como um dos rostos mais conhecidos do STF. Seu protagonismo em decisões polêmicas — desde a suspensão de perfis nas redes sociais até a prisão de empresários e influenciadores bolsonaristas — fez dele uma figura polarizadora. Não apenas julga; combate. Não apenas analisa; reage. Não apenas espera os fatos; antecipa os movimentos com base em suas percepções institucionais.
A entrevista à New Yorker evidencia essa mudança de paradigma: Moraes não atua apenas como juiz técnico, mas como defensor de uma “ordem democrática” definida por ele mesmo e por seus colegas mais engajados politicamente. “Não vejo clima para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro”, disse, deixando implícito que decisões judiciais seguem não apenas o que está nos autos, mas o que convém ao momento político.
Recados velados e ameaças sutis
Ao ser questionado sobre a possibilidade de Michelle Bolsonaro ou os filhos do ex-presidente tentarem sucedê-lo, Moraes minimizou qualquer chance real:
“Nenhum deles tem as conexões com as Forças Armadas que ele tinha.”
A resposta, embora travestida de análise institucional, foi interpretada por muitos como um recado direto: sem apoio militar, nem tentem sonhar com o poder. O comentário foi visto por juristas como uma demonstração de que o Supremo tem hoje um papel quase geopolítico — interferindo não apenas nas leis, mas nas possibilidades políticas futuras de certos grupos.
Moraes: entre o poder absoluto e o vácuo institucional
A New Yorker o descreve como “um dos homens mais poderosos do Brasil”. Moraes, ao que tudo indica, concorda. Seu tom durante a entrevista é de quem não teme represálias, críticas ou desgastes. Pelo contrário, parece disposto a dobrar a aposta no embate institucional e a transformar sua trajetória jurídica em um símbolo de resistência contra o bolsonarismo — mesmo que isso custe a neutralidade esperada de sua função.
A grande questão que fica após a entrevista é: qual o limite do poder de um juiz da Suprema Corte? A atuação de Moraes tem agradado parte da sociedade civil e setores da imprensa que enxergam nele uma barreira contra o autoritarismo. Porém, o outro lado da moeda é preocupante: um magistrado que fala como político, age como executor e decide como legislador.
Em tempos de extrema polarização, a centralização do poder institucional em figuras individuais, por mais bem-intencionadas que sejam, é um risco real para qualquer democracia. Quando os julgamentos se tornam atos performáticos, e os ministros se veem como heróis em uma narrativa nacional, talvez estejamos entrando em um novo capítulo da história política brasileira — onde a toga já não é apenas símbolo de justiça, mas de poder absoluto.