Anatel aprova expansão da Starlink no Brasil, mas alerta para ‘riscos à soberania’

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou nesta terça-feira (8) uma ampliação significativa da atuação da Starlink, serviço de internet via satélite da SpaceX, empresa controlada pelo bilionário Elon Musk. A decisão, unânime entre os conselheiros, autoriza a operação de mais 7.500 satélites no Brasil, elevando o total permitido a mais de 11 mil satélites — uma constelação de presença maciça no espaço brasileiro.

A autorização também contempla o uso de novas faixas de frequência, o que permitirá à Starlink ampliar a cobertura de internet e oferecer maior capacidade de transmissão de dados, especialmente em regiões remotas e de difícil acesso como a Amazônia Legal. Apesar do avanço tecnológico, o movimento acendeu sinais de alerta em relação à soberania digital do país, à concorrência no setor e ao controle estrangeiro sobre uma infraestrutura crítica de comunicação.

Crescimento acelerado da Starlink e a presença na Amazônia

A Starlink já opera com destaque em áreas onde as operadoras tradicionais não chegam — e isso inclui aldeias indígenas, comunidades ribeirinhas, áreas de garimpo ilegal e regiões afastadas da malha urbana. Seu modelo de internet via satélite, com baixa latência e fácil instalação, fez dela uma alternativa prática — e muitas vezes a única — para quem vive fora do radar digital brasileiro.

Com a nova aprovação, Musk fortalece ainda mais sua posição no Brasil. A constelação Starlink, que já contava com cerca de 3.500 satélites operando no país, passa agora a competir em escala inédita, dominando uma parte considerável do espectro orbital brasileiro.

Anatel autoriza, mas faz alerta

Apesar de conceder a autorização, a Anatel demonstrou preocupação com a falta de mecanismos regulatórios robustos para lidar com empresas de tecnologia globais que atuam em setores estratégicos como o de telecomunicações. O conselheiro relator do processo, Alexandre Freire, deixou claro em parecer oficial:

“Este caso deixou claro para mim as limitações da regulamentação atual para oferecer respostas adequadas às complexas questões que emergem nesse cenário.”

O documento aponta três pontos centrais de risco:

  • Concorrência desleal: O domínio da Starlink pode inviabilizar o crescimento de empresas nacionais, que não têm acesso à mesma escala ou infraestrutura orbital.

  • Sustentabilidade espacial: A ocupação massiva do espaço orbital levanta preocupações quanto ao aumento de detritos espaciais e risco de colisões, o que já é um tema discutido globalmente.

  • Soberania digital: O controle de infraestrutura de dados por uma empresa estrangeira, especialmente em regiões estratégicas como a Amazônia, é um ponto de tensão crescente entre o Brasil e empresas como a SpaceX.

O preço da expansão

A permissão concedida à Starlink não veio totalmente isenta de exigências. A Anatel determinou que a operação dos satélites não pode causar interferência com outros sistemas licenciados no Brasil, além de estabelecer o pagamento de uma taxa de R$ 102.677 pela alteração no direito de exploração.

Mesmo assim, diante da magnitude do negócio, o valor representa um custo simbólico para a SpaceX — e levanta a discussão sobre a forma como o Brasil precifica e regula o uso do seu espaço aéreo e espectro de frequência, ambos considerados ativos estratégicos.

Polêmicas com Elon Musk e o uso da Starlink no Brasil

A empresa de Elon Musk não é estranha às polêmicas no Brasil. Recentemente, a Starlink esteve envolvida em investigações sobre o uso de seus equipamentos por garimpeiros ilegais na floresta amazônica, que utilizaram o serviço para manter comunicação em áreas isoladas, fora do alcance das forças de fiscalização.

O governo brasileiro chegou a debater formas de regulamentar e rastrear os terminais da Starlink em território nacional, temendo o uso indevido da tecnologia por grupos criminosos ou atores políticos em contextos sensíveis, como durante atos antidemocráticos.

Soberania digital e a necessidade de regulação

A decisão da Anatel reacende o debate sobre a soberania digital, conceito que envolve o controle, por parte do Estado, das infraestruturas e fluxos de dados estratégicos. Quando uma empresa estrangeira passa a controlar a espinha dorsal da conectividade de parte significativa do país — sobretudo em zonas de fronteira e áreas indígenas —, os riscos vão além da economia: envolvem segurança nacional e geopolítica.

“Se o Brasil depende da Starlink para conectar a Amazônia, estamos terceirizando nossa capacidade de comunicação em uma área-chave”, afirmou um ex-dirigente do Ministério das Comunicações, em off.

O cenário internacional e os megaprojetos espaciais

A Starlink faz parte de um movimento global de megaconstelações de satélites, liderado por empresas privadas como Amazon (com o projeto Kuiper), OneWeb, e outras. A promessa é democratizar o acesso à internet, mas os riscos associados — desde lixo espacial até monopolização de dados — ainda são objeto de intenso debate na comunidade internacional.

Países como França e Alemanha já impuseram restrições regulatórias severas ao avanço de constelações orbitais, enquanto a ONU e a União Internacional de Telecomunicações (UIT) discutem acordos multilaterais para limitar a exploração desordenada do espaço.

Conclusão: entre inovação e dependência

A ampliação da Starlink no Brasil simboliza os dilemas da era digital: de um lado, a promessa de inclusão e conectividade total; do outro, o risco da dependência tecnológica de potências privadas que operam acima das fronteiras nacionais.

Para o Brasil, a autorização da Anatel representa um divisor de águas. A conectividade da floresta e do sertão agora depende, em parte, dos satélites de Elon Musk. Resta saber se o país conseguirá construir uma política de telecomunicações que alie inovação, segurança e autonomia digital.

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Bruno Rigacci

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