A condição de Motta para avançar com a anistia
O projeto de anistia aos envolvidos nos atos do 8 de Janeiro segue parado na Câmara dos Deputados, apesar da forte pressão exercida por parlamentares bolsonaristas e mobilizações populares lideradas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem evitado pautar a proposta diretamente no plenário e impôs uma condição estratégica para qualquer avanço: o tema só será levado adiante se houver articulação prévia com o presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Em conversas reservadas com aliados, Motta tem deixado claro que não pretende se expor sozinho perante os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ou a opinião pública caso o Senado venha a barrar a proposta após eventual aprovação na Câmara. Segundo fontes próximas ao deputado paraibano, uma reunião com Alcolumbre deverá ocorrer nos próximos dias para alinhar os passos sobre o futuro da proposta.
Comissão especial ou urgência no plenário?
Atualmente, o projeto de anistia segue arquivado na gaveta de Motta, enquanto a oposição pressiona para que ele pelo menos crie uma comissão especial para analisar o mérito da proposta. A iniciativa serviria como um “meio-termo” para aliviar a tensão com a base bolsonarista, que tem sido persistente ao cobrar uma solução política para o que chamam de prisões injustas.
Parlamentares de direita, no entanto, querem mais: cobram que a proposta seja pautada em regime de urgência, o que permitiria sua votação diretamente no plenário, sem passar por comissões temáticas. Tal estratégia é vista como uma maneira de acelerar o processo e evitar que o projeto seja engavetado por tempo indefinido.
Ato na Paulista aumenta pressão sobre o Congresso
A manifestação marcada por Jair Bolsonaro para este domingo (6), na Avenida Paulista, visa justamente aumentar a pressão sobre o Congresso Nacional. O evento tem como principal bandeira o apoio ao projeto de anistia e busca mostrar força popular para sensibilizar os parlamentares. Governadores como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Ratinho Jr (PR) são esperados no ato, ao lado de centenas de parlamentares conservadores.
A movimentação também serve como uma espécie de termômetro político: o sucesso da manifestação poderá impulsionar ainda mais a exigência pela votação da anistia nos próximos dias.
Motta teme desgaste institucional
O principal motivo para a cautela de Hugo Motta é evitar desgaste político e jurídico. O deputado teme que, ao pautar o projeto de anistia sozinho, fique vulnerável a críticas da oposição, reações duras de ministros do STF e represálias institucionais. O clima em Brasília ainda é de tensão quando se trata do 8 de Janeiro, e qualquer movimento em favor dos réus — sobretudo dos já condenados — tende a gerar polarização.
Para que isso não ocorra, Motta busca uma aliança estratégica com o Senado, a fim de garantir que o projeto não morra na outra Casa Legislativa. Um avanço coordenado entre Câmara e Senado reduziria o risco político para ambos os lados.
Davi Alcolumbre será o fiel da balança?
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, desponta como peça-chave nesse xadrez político. Embora ainda não tenha se manifestado oficialmente sobre a anistia, aliados indicam que ele prefere cautela e diálogo com o STF antes de permitir que o tema avance no Senado.
O gesto de Hugo Motta em consultar Alcolumbre antes de pautar o projeto mostra que a votação da anistia dependerá menos da pressão popular e mais da articulação entre os Poderes. A cautela de ambos os presidentes das Casas legislativas reflete o receio de enfrentar retaliações institucionais ou de serem responsabilizados politicamente por um tema de forte carga simbólica e ideológica.
Análise política: o tempo joga contra os bolsonaristas?
Enquanto o projeto não anda, a pressão da base conservadora aumenta. Parlamentares bolsonaristas têm promovido lives, eventos e publicações nas redes sociais cobrando ação imediata de Hugo Motta. Muitos já ameaçam obstruir pautas do governo e bloquear votações estratégicas, caso a proposta não avance até o fim de abril.
No entanto, o timing político pode não favorecer a oposição. Com o STF ainda julgando recursos e novos réus envolvidos nos atos do 8 de janeiro, uma anistia neste momento poderia ser vista como interferência direta no Judiciário. Isso dá margem para os críticos argumentarem que o projeto fere a separação dos Poderes e incentiva a impunidade.
E agora?
A expectativa é que a semana pós-manifestação na Paulista seja decisiva. Caso haja adesão massiva ao ato de domingo, Hugo Motta terá dificuldade para continuar postergando o debate da anistia. Resta saber se Davi Alcolumbre estará disposto a dividir esse fardo com ele.
Enquanto isso, os bolsonaristas seguem pressionando: nas ruas, nas redes e no plenário.