PL acusa presidente da Câmara de manobrar para barrar anistia aos presos do 8 de janeiro
A crise institucional em torno dos desdobramentos dos atos de 8 de janeiro de 2023 ganhou novos capítulos nesta semana. O líder do Partido Liberal (PL) na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), acusou o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), de trabalhar nos bastidores para impedir a tramitação da proposta de anistia aos envolvidos nas invasões às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
A acusação escancara o racha dentro da Câmara dos Deputados e evidencia a resistência institucional à medida defendida com vigor pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e pela bancada conservadora.
Projeto de Anistia: Avanço e Obstruções
Segundo Sóstenes, a proposta de anistia já reúne 178 assinaturas, de um total de 257 necessárias para que o requerimento de urgência seja levado à votação em plenário. No entanto, o deputado afirma que Hugo Motta tem atuado diretamente para frear o avanço do projeto, orientando líderes de partidos a não assinarem o requerimento.
“Na minha avaliação, o presidente Hugo Motta quer ganhar tempo para buscar uma solução que não terá”, declarou o parlamentar à Revista Oeste.
“Ele está esticando a corda e não vai resolver o problema. Esse é um assunto que o plenário precisa deliberar.”
O PL, diante da resistência, passou a adotar um “trabalho formiguinha” para obter apoio parlamentar individualmente, além de iniciar uma estratégia de obstrução nas comissões e no plenário, como forma de pressionar o presidente da Casa.
Clima de Desgaste e Desconfiança
A relação entre o PL e a presidência da Câmara se deteriorou nas últimas semanas. Sóstenes relatou que teve dificuldade de acesso ao presidente da Câmara, sendo recebido por Hugo Motta apenas na noite de quarta-feira (2), às 23h, poucas horas antes da reunião de líderes partidários.
Apesar do encontro, Motta não levou o tema da anistia ao colégio de líderes, aumentando o desconforto. A situação ficou ainda mais tensa após o presidente da Câmara aparecer ao lado dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Flávio Dino, em evento oficial no Senado, no mesmo período em que evitava um posicionamento público sobre a anistia.
Para a bancada bolsonarista, o gesto foi interpretado como sinal de alinhamento com o STF, principal alvo das críticas dos apoiadores da proposta de anistia.
Centrão Divide Opiniões e PL Sofre Isolamento
Embora o PL tenha mobilizado grande parte da base conservadora, partidos do centrão demonstram cautela. Um exemplo é o Progressistas (PP), presidido pelo ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira. No entanto, na Câmara, o líder da legenda, Dr. Luizinho (RJ), fez críticas à condução do PL:
“A pauta tem apelo político, mas entendemos que extrapola nossa função constitucional”, afirmou Luizinho.
“Tinha de ter nos procurado antes.”
A declaração escancara uma falta de articulação prévia por parte do PL e indica que, sem o apoio claro de partidos do centrão, a proposta corre o risco de ficar estagnada, mesmo com a pressão das redes sociais e das manifestações públicas.
Pressão Popular e Mobilização Política
Apesar da resistência institucional, a mobilização popular a favor da anistia continua ganhando tração. O ex-presidente Jair Bolsonaro, que se tornou o principal porta-voz da causa, lidera ações públicas e discursos direcionados à sua base conservadora.
O ato mais emblemático ocorreu no último domingo (6), quando Bolsonaro reuniu milhares de apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo. O evento teve forte tom político, com apelos diretos ao Congresso e críticas ao STF.
Nas redes sociais, a proposta de anistia viralizou com hashtags como #AnistiaJá e #LiberdadeParaOsPresosPolíticos, reforçando a narrativa de que os detidos por envolvimento no 8 de janeiro são “presos políticos” e merecem clemência legislativa.
Proposta de Anistia: Limites Legais e Controvérsia
A proposta de anistia divide opiniões jurídicas e políticas. Defensores argumentam que o Congresso tem prerrogativa constitucional para conceder anistia a crimes políticos, e que os atos do 8 de janeiro, embora condenáveis, foram motivados por questões ideológicas, o que configuraria um tipo de delito passível de anistia.
Por outro lado, juristas e parte do Ministério Público alertam que uma eventual anistia poderia violar cláusulas pétreas da Constituição, ao anular punições por crimes como tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio público, associação criminosa e ameaças à democracia.
Além disso, haveria um risco institucional: enfraquecer o papel do Judiciário e abrir precedentes perigosos para a impunidade de crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O Que Está em Jogo
O impasse entre o PL e a presidência da Câmara ilustra um momento decisivo na política brasileira. De um lado, a pressão crescente da base bolsonarista, que busca reverter decisões judiciais e apresentar uma narrativa alternativa ao 8 de janeiro. De outro, um sistema político cauteloso, que teme as repercussões institucionais e internacionais de uma medida como a anistia.
O presidente da Câmara, Hugo Motta, tornou-se peça-chave nesse tabuleiro. Ao evitar pautar o projeto de anistia, ele assume postura de neutralidade institucional, mas também se expõe ao desgaste com o grupo bolsonarista — que o vê como um obstáculo à “justiça política”.
Conclusão: Polarização Reacende no Congresso
O embate em torno da proposta de anistia aos envolvidos no 8 de janeiro reacende a polarização no Congresso Nacional. A disputa entre o PL e a presidência da Câmara é reflexo de um país ainda dividido e de um Parlamento pressionado por expectativas populares conflitantes.
Com a proposta ainda longe de alcançar a maioria necessária, o desenlace dessa batalha institucional dependerá de articulações políticas nos bastidores e da disposição da Câmara em enfrentar um tema que toca diretamente na espinha dorsal da democracia brasileira: a responsabilização por atos contra as instituições.