Reforma ministerial de Lula isola Haddad e aumenta incerteza sobre política fiscal
As recentes mudanças no ministério promovidas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva levantaram novos questionamentos sobre a estabilidade interna do governo e a crescente pressão sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. As disputas internas alimentam incertezas sobre a política econômica do país e acentuam os temores de uma guinada populista, especialmente com a tentativa do governo de recuperar a popularidade em queda.
Até recentemente, Haddad contava com o apoio de Alexandre Padilha, ex-ministro das Relações Institucionais, considerado um aliado forte dentro do Palácio do Planalto. No entanto, com a entrada de Gleisi Hoffmann no primeiro escalão, Haddad encontra-se agora em uma posição mais solitária, em confronto com ministros que defendem um enfoque mais voltado para o estímulo econômico do que a ortodoxia fiscal que Haddad propaga. A nomeação de Hoffmann para o Ministério das Relações Institucionais, cargo fundamental nas negociações com o Congresso, acirra ainda mais as tensões.
A Guerra de Correntes no Governo
Gleisi Hoffmann, agora ministra das Relações Institucionais, tem sido uma crítica aberta à política econômica de Haddad. Como presidente do PT, Hoffmann chegou a classificar as propostas do ministro da Fazenda como “austericídio” e manifestou oposição ao aperto monetário do Banco Central, um ponto em que Haddad e outros ministros, como o da Agricultura, Carlos Fávaro, têm uma visão mais equilibrada. Ao lado de Rui Costa, ministro da Casa Civil, Gleisi representa um grupo que tende a pressionar por políticas econômicas mais heterodoxas, com ênfase em gastos públicos e incentivos estatais para manter a economia em movimento no curto prazo.
Esse grupo se opõe diretamente às propostas mais conservadoras e de médio prazo defendidas por Haddad, que busca um equilíbrio fiscal e uma desaceleração controlada da economia para evitar desequilíbrios. O isolamento de Haddad dentro do governo parece aumentar à medida que Lula se aproxima dos ministros que defendem abordagens mais intervencionistas. A troca de opiniões entre o presidente, Costa, Padilha, Gleisi, Silveira e o novo ministro da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira, consolidou a vitória de uma agenda mais focada no aumento dos gastos públicos.
O Desgaste Interno e a Perda de Popularidade
A queda de popularidade do governo, conforme indicado pela pesquisa Datafolha de fevereiro, exacerbou ainda mais as disputas. Embora Haddad tenha mantido sua postura técnica e focada no médio prazo, decisões tomadas por ele, como a taxação de pequenas importações e a crise do Pix — que envolveu uma norma da Receita Federal sobre a regulamentação do sistema de pagamentos — foram apontadas como fontes de desgaste político. A crise de comunicação gerada pelo episódio de notícias falsas sobre o monitoramento de pagamentos por Pix também teve impacto negativo na imagem do governo.
Fontes internas revelaram que, durante uma reunião de avaliação da pesquisa Datafolha, enquanto Haddad estava fora do Brasil, os ministros Costa e Gleisi se mostraram implacáveis em suas críticas às políticas da Fazenda. Apenas Padilha e Jaques Wagner, líder do governo no Senado, defendem Haddad, mas sua posição parece isolada dentro do novo cenário político do Planalto.
Pressões por Alternativas Populistas
Dentro do governo, há pressões por medidas populistas, como a taxação das exportações, uma estratégia à qual Haddad se opõe fortemente, defendendo uma abordagem mais equilibrada. “Pode até funcionar no curto prazo, mas não se sustenta e não resolve”, comentou uma fonte próxima ao ministro sobre essas propostas heterodoxas, especialmente no tocante aos preços dos alimentos. A oposição a essas ideias também é compartilhada pelo ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, que acredita que a solução está em medidas mais estruturais, e não em intervenções pontuais.
Além disso, a questão da “taxa das blusinhas” — que afeta as compras de pequenos volumes, especialmente de produtos importados de sites chineses — também tem gerado críticas dentro do governo. Embora o governo já tenha mostrado sinais de reconsideração sobre essa medida, a pressão para reverter essa taxa aumenta, especialmente entre os aliados de Lula.
A Aposta no Ministro da Fazenda
Embora o mercado financeiro tenha mostrado mais confiança em Haddad do que no governo de maneira geral, a crescente tensão interna coloca em risco a credibilidade da equipe econômica. André Esteves, presidente do BTG Pactual, reiterou seu apoio ao ministro em evento recente, destacando a importância de preservar a batalha pela manutenção de uma política econômica racional e equilibrada.
Por outro lado, críticos apontam que os resultados fiscais de 2024, embora melhores do que os do ano anterior, ainda estão aquém das expectativas. O déficit primário de 0,38% do PIB, embora uma melhoria significativa em relação ao ano anterior, ficou abaixo das estimativas do mercado e do superávit registrado sob o governo Bolsonaro. A equipe de Haddad argumenta que os números de 2022 foram inflacionados pela suspensão dos pagamentos de precatórios, mas as críticas à dependência de receitas incertas para compensar o aumento dos gastos obrigatórios continuam a ser um ponto de discórdia.
Conclusão: O Futuro de Haddad e a Tensão no Governo
Embora Haddad tenha demonstrado resiliência, não há indicativos claros de que ele abandonará o governo ou se afastará da linha econômica que defende. No entanto, o ambiente político parece estar cada vez mais desafiador para o ministro da Fazenda. A divisão interna entre os defensores de políticas de austeridade fiscal e os que apostam em um aumento mais acentuado de gastos públicos deverá ser um dos principais desafios para o governo nos próximos meses. A questão é saber até que ponto Lula conseguirá equilibrar esses interesses conflitantes sem prejudicar ainda mais a credibilidade do governo perante a opinião pública e os mercados financeiros.