Denúncia contra Bolsonaro ignora trechos da delação de Mauro Cid que poderiam beneficiá-lo, diz Folha

A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou uma denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, utilizando como peça central a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente. A acusação de envolvimento em uma “trama golpista” ganhou força com a colaboração de Cid, mas, de acordo com a Folha de S. Paulo, a denúncia da PGR deixa de fora declarações do próprio delator que contradizem partes da acusação.

Cid e a Incerteza sobre o Conhecimento de Bolsonaro

Um dos pontos centrais da denúncia é que Bolsonaro teria estado ciente e autorizado um plano denominado “Punhal Verde Amarelo”, que envolvia, entre outros objetivos, a morte do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e dos então eleitos Lula e Geraldo Alckmin. No entanto, em depoimentos de novembro e dezembro de 2024, Cid afirmou que não tinha certeza se Bolsonaro sabia do plano. Ele afirmou à Polícia Federal que não sabia se o general Mário, que supostamente teria levado o plano ao presidente, o havia informado.

“Eu não tenho ciência se o presidente sabia ou não do plano que foi tratado, do Punhal Verde Amarelo, e se o general Mário levou esse plano para ele ter ciência ou não”, disse Cid, em depoimento de dezembro de 2024. Essa parte do depoimento, que poderia enfraquecer a tese de envolvimento direto de Bolsonaro, foi deixada de fora pela PGR, que segue a linha de que o ex-presidente estava ciente do plano e o autorizou.

O Monitoramento de Moraes: Fim das Conspirações?

Outro ponto que a denúncia da PGR destaca é que Bolsonaro teria solicitado o monitoramento do ministro Alexandre de Moraes. A acusação sugere que essa ação estava ligada ao plano de assassinato, mas ignora a explicação de Cid. Segundo o ex-ajudante de ordens, Bolsonaro teria solicitado a vigilância de Moraes apenas para verificar se o ministro estava se encontrando com o então vice-presidente Hamilton Mourão, e não por motivos conspiratórios.

Mudanças no Depoimento de Mauro Cid

Cid, desde que firmou um acordo de delação premiada em setembro de 2023, tem alterado suas declarações. Em áudios vazados, ele chegou a alegar que estava sendo pressionado a relatar eventos que nunca ocorreram. Em novembro, após ser confrontado com novas evidências, ele modificou partes do seu depoimento, um movimento que poderia estar relacionado ao risco de perder o benefício da delação.

Em relação a uma reunião de militares em Brasília, em 28 de novembro de 2022, que supostamente teria feito parte da articulação golpista, Cid declarou à PF que o encontro foi, na verdade, apenas um “bate-papo de bar” entre oficiais insatisfeitos com o resultado das eleições. “Naquele momento ninguém botou um plano de ação, é esse ponto que eu quero deixar claro. Ninguém chegou com um plano e botou um plano na mesa e falou: ‘nós vamos prender o Lula, nós vamos matar, nós vamos espionar’”, afirmou Cid, contradizendo parte das alegações sobre uma articulação golpista.

O Caso do General Theófilo

A acusação contra o general Estevam Theófilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), também se baseia em mensagens de Cid, que sugerem que o militar estaria disposto a colocar tropas nas ruas caso Bolsonaro assinasse uma medida de exceção. No entanto, em depoimentos posteriores, Cid afirmou que o general Theófilo respeitaria a hierarquia militar e não tomaria decisões sem passar pelo então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes. “Se o presidente desse a ordem… Mas o problema é, eu não sei se ele passaria por cima do general Freire Gomes. Isso não posso confirmar”, declarou Cid, um ponto importante que foi omitido pela PGR.

As Declarações sobre os Atos de 8 de Janeiro

Outro aspecto relevante que não foi considerado pela denúncia envolve as declarações de Cid sobre os ataques de 8 de janeiro de 2023. Embora algumas mensagens de Cid sugiram que “algo poderia acontecer” após a posse de Lula, o ex-ajudante de ordens explicou que essas falas foram mal interpretadas pela Polícia Federal. Segundo ele, as declarações não tinham relação com os atos de violência ocorridos no dia 8 de janeiro, quando manifestantes extremistas invadiram as sedes dos três poderes em Brasília.

Omissões e Lacunas na Denúncia

Essas contradições e omissões no processo levantam questões sobre a consistência da acusação contra Bolsonaro e seus aliados. A PGR, ao omitir essas partes importantes da delação de Cid, enfraquece a argumentação de envolvimento direto de Bolsonaro, enquanto tenta fortalecer a narrativa de uma trama golpista com base em depoimentos que já passaram por alterações significativas. A dúvida agora recai sobre como o judiciário irá avaliar essas inconsistências e quais serão os próximos passos na investigação.

Esse contexto coloca um cenário de incertezas para os próximos desdobramentos do caso, que envolve não apenas o ex-presidente, mas uma série de figuras militares e políticas. O desfecho poderá definir o rumo das investigações sobre a tentativa de desestabilização democrática no Brasil.

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Bruno Rigacci

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