PGR quer que STF decida se lei da Anistia se aplica a militares acusados de matar Rubens Paiva
A Lei da Anistia, sancionada em 1979, teve um papel crucial na reintegração dos opositores ao regime militar e no processo de redemocratização do Brasil. No entanto, ela também concedeu perdão a agentes do Estado que cometeram crimes durante a ditadura, como torturas e assassinatos de militantes e opositores. Uma das figuras centrais nesse debate é o caso do ex-deputado Rubens Paiva, cujo assassinato é questionado até hoje, especialmente no contexto de sua possível não cobertura pela Lei da Anistia.
A Denúncia do Ministério Público Federal
Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou uma denúncia contra militares acusados de envolvimento na morte de Rubens Paiva, alegando que os crimes cometidos durante sua prisão e tortura configuram violação aos direitos humanos e, por isso, não estariam protegidos pela Lei da Anistia. A acusação se baseia na ideia de que tais atos não poderiam ser enquadrados como “atos de guerra” ou como parte da repressão política, mas como crimes comuns, que devem ser punidos independentemente da anistia concedida na época.
O Arquivamento e Recurso ao STF
A Justiça do Rio de Janeiro inicialmente aceitou a denúncia e iniciou o processo, mas, em 2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pelo arquivamento da ação, com o ministro Joel Ilan Paciornik afirmando que os atos praticados pelos militares estavam protegidos pela Lei da Anistia, uma vez que ocorreram no contexto da repressão política durante a ditadura. Paciornik também afastou a aplicação retroativa de tratados internacionais que buscam punir crimes contra os direitos humanos, considerando que a legislação brasileira deveria prevalecer.
O MPF recorreu da decisão, levando o caso até o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021. O processo foi, então, encaminhado ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes. No entanto, o caso permaneceu sem andamento por cerca de três anos, até que, em novembro de 2023, Moraes finalmente liberou o processo para que fosse analisado, após o lançamento do filme Ainda Estou Aqui, que aborda o episódio da morte de Rubens Paiva e a luta da sua viúva, Eunice Paiva, e seus filhos pela justiça.
Acusados e Crimes Atribuídos
Os militares acusados de envolvimento na morte de Rubens Paiva incluem nomes como José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza, e Raymundo Ronaldo Campos. Eles são acusados de homicídio, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha.
- José Antônio Nogueira Belham: comandante do DOI-CODI na época, é apontado como responsável pela tortura e morte de Paiva e pela ocultação de seu corpo.
- Rubens Paim Sampaio: conhecido pelo codinome “Dr. Teixeira”, liderava um grupo de inteligência do Exército e teria participado das agressões e do desaparecimento dos restos mortais de Paiva.
- Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf, e Jacy Ochsendorf são acusados de colaborar na ocultação do corpo e de fraudar o inquérito policial, alegando falsamente que Paiva teria fugido após um suposto ataque ao veículo militar que o transportava, além de terem incendiado o carro para impedir a perícia.
A Morte de Rubens Paiva
Rubens Paiva foi preso em sua casa no dia 20 de janeiro de 1971, sendo levado para o DOI-CODI no 1º Exército no Rio de Janeiro, onde foi brutalmente torturado e assassinado. Ex-deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Paiva teve seu mandato cassado após o Golpe Militar de 1964. Após um período de exílio na Iugoslávia e na França, ele retornou ao Brasil e retomou sua atividade como engenheiro, sem envolvimento direto na luta armada. Sua prisão aconteceu após militares interceptarem correspondências enviadas por exilados políticos a ele.
A morte de Paiva e o subsequente desaparecimento de seu corpo se tornaram símbolos das violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar. O caso, juntamente com a luta de sua família por justiça, permanece como um dos episódios mais emblemáticos da repressão da ditadura no Brasil.
O Impacto da Lei da Anistia
A discussão sobre a aplicação ou não da Lei da Anistia no caso de Rubens Paiva levanta questões complexas sobre a memória histórica, a responsabilização dos perpetradores de crimes de tortura e assassinato e a busca por justiça. Enquanto a Lei da Anistia garantiu a reconciliação nacional após a ditadura, ela também gerou controvérsias quanto à imunidade de agentes do Estado que cometeram crimes contra os direitos humanos.
O desenrolar desse caso, agora sendo reexaminado pelo STF, pode abrir um precedente para outras investigações e processos sobre crimes cometidos durante a ditadura militar, além de renovar o debate sobre direitos humanos e a responsabilidade do Estado nas violações do passado.