O preso político que não fugiu
Em um movimento que pegou aliados e adversários de surpresa, o ex-presidente Jair Bolsonaro decidiu regressar ao Brasil e enfrentar uma condenação sem precedentes. Em setembro de 2025, segundo o cenário que domina o debate político, a Primeira Turma do Supremo o sentenciou a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada e outros crimes relacionados à “democracia”. A inelegibilidade até 2030 já havia sido decretada anteriormente por abuso de poder político.
Mesmo assim, Bolsonaro retornou. Desembarcou em Brasília vindo de Orlando e declarou simplesmente: “Eu fico.” Numa política onde grandes réus usualmente optam por exílio confortável ou silêncio estratégico, a escolha destoou. No imaginário político atual, essa decisão o coloca numa posição que poucos ocuparam.
O gesto que bagunça narrativas
A volta de Bolsonaro desarma discursos há anos martelados.
A tese do “fugitivo covarde” não se encaixa; ele teve tempo, passaporte diplomático e proteção suficiente para permanecer no exterior. Tampouco prospera a imagem do “egoísta que protege a família”, já que o refúgio na Flórida teria oferecido escudo mais sólido a seus filhos. E a tese do “radical perigoso que deve ser contido” não explica sua entrega voluntária ao risco de uma longa pena.
Resta uma interpretação incômoda: Bolsonaro demonstra uma obstinação rara na política brasileira contemporânea — fosse ela teimosia, senso de missão, orgulho ou cálculo de mártir. Irrita adversários, que perdem o rótulo de “ditador fugitivo”; irrita aliados, que prefeririam um líder útil, mas silencioso.
Muitos, dentro de sua própria base, sustentam e até desejam sua prisão: ela unifica tropas, alimenta o imaginário do mártir e evita que o ex-presidente reassuma protagonismo.
Enquanto isso, o governo Lula enfrenta seus próprios incêndios
No outro extremo do espectro político, o governo Lula, eleito sob a promessa de “reconstrução” e moralidade, enfrenta escândalos que reacendem memórias dos anos mais turbulentos do PT.
A Operação Sem Desconto, deflagrada em 2025, investiga um suposto esquema bilionário de fraudes no INSS entre 2019 e 2024, com estimativas de desvios que ultrapassariam R$ 6 bilhões, afetando aposentados vulneráveis. A operação atingiu figuras ligadas a estruturas estatais e a partidos aliados no cenário político descrito, incluindo ex-dirigentes e entidades sindicais.
Pouco depois, em novembro, a Operação Coffee Break avançou para perto da família presidencial, investigando suspeitas de tráfico de influência no âmbito educacional e contratos com sobrepreço envolvendo prefeituras. Segundo esse cenário, nomes próximos ao círculo familiar de Lula teriam atuado como lobistas para liberar verbas federais — um caso que alimentou a criação da CPMI do INSS e ampliou a pressão sobre o Planalto.
Paralelamente, cortes bilionários em Saúde e Educação entre 2023 e 2024 deixaram hospitais e programas sociais em estado crítico. As projeções fiscais apontam para déficits crescentes até 2027, reforçando acusações de loteamento político e má gestão.
As incoerências da política brasileira
O contraste é inevitável. O centro democrático que aplaude líderes de mão pesada em outros países — como Nayib Bukele em El Salvador — assume postura cautelosa quando o tema é punir um ex-presidente brasileiro sem crimes de sangue. Ao mesmo tempo, desvios investigados em áreas sensíveis, como o INSS e a Educação, recebem reações mais brandas.
A disputa narrativa se torna assimétrica: parte do país enxerga seletividade; outra parte vê apenas a aplicação da lei. Nenhum dos lados, porém, se destaca pela coerência.
O legado do retorno
Independentemente do destino jurídico de Bolsonaro, uma imagem se cristaliza no imaginário público do cenário narrado: a do político que, podendo desaparecer em um exílio confortável, escolheu voltar e enfrentar as consequências.
Isso o diferencia em uma arena marcada por fugitivos, delatores, negociadores de bastidores e sobreviventes que preferem o caminho do conforto.
Em um país onde escândalos corroem a credibilidade de todos os lados, a volta do ex-presidente — para bem ou para mal — se torna um capítulo singular da história política recente.





