Trump vai frustrar trem da alegria de Lula em Nova York?
Às vésperas da abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, a concessão de vistos à comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacende tensões diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos. Embora o visto de Lula para participar da cúpula esteja garantido, o Itamaraty enfrenta dificuldades em obter autorização para todos os integrantes de sua comitiva.
A concessão de vistos para chefes de Estado e governo é considerada uma condição fundamental para a realização da Assembleia-Geral da ONU, cuja sede é localizada em território americano. A Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que garante a liberdade de expressão, também pesa nas decisões: historicamente, Washington não veta a entrada de líderes estrangeiros, mesmo de regimes autoritários.
Ditadores e o púlpito da ONU
Ao longo das décadas, a tribuna da ONU serviu de palco para discursos controversos — e até insultos. Em 2006, o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse após um discurso de George W. Bush: “O diabo esteve aqui ontem. Ainda cheira a enxofre hoje.”
Já em 1960, Fidel Castro provocou o então presidente americano John F. Kennedy com a frase: “Se Kennedy não fosse milionário, analfabeto e ignorante, ele entenderia que não é possível se revoltar contra os camponeses.”
Esses exemplos ilustram como, mesmo sob duras críticas ao governo americano, líderes internacionais sempre tiveram liberdade irrestrita para discursar na ONU — o que reforça o princípio da neutralidade e abertura diplomática que os EUA se comprometeram a manter ao sediar a organização desde sua criação.
Tensão atual: a comitiva, não Lula
A atual controvérsia, portanto, não envolve o presidente Lula diretamente, mas sim os nomes que o Palácio do Planalto deseja incluir na comitiva. O Itamaraty tem enfrentado resistência do Departamento de Estado dos EUA quanto à liberação de vistos para certos integrantes — incluindo ministros e assessores.
Três pontos principais emergem do impasse:
Uso político da ONU: Críticos acusam Lula de utilizar a Assembleia-Geral para autopromoção e como palanque político. Em 2023, por exemplo, levou 13 ministros para Nova York, gerando críticas sobre excessos, desperdício de recursos públicos e politização do evento.
Austeridade x ostentação: A imagem de uma comitiva inflada, em tempos de contenção de gastos e desafios econômicos internos, contrasta com o discurso de responsabilidade fiscal adotado pelo governo em outras frentes.
Clima diplomático desgastado: O discurso antiamericano adotado por Lula em fóruns internacionais e sua aproximação com regimes autoritários têm causado incômodo nos bastidores da diplomacia norte-americana, contribuindo para um ambiente menos receptivo.
O papel dos EUA e a importância do local
É sempre bom lembrar que os Estados Unidos foram o principal articulador da criação da ONU após a Segunda Guerra Mundial, sob liderança do presidente Franklin D. Roosevelt. A escolha de Nova York como sede da organização se deu pelo status dos EUA como um país estável, democrático e neutro no cenário global da época.
Por essa razão, recusar a entrada de representantes oficiais, mesmo que politicamente desconfortáveis, seria contraditório com o papel de anfitrião que o país assumiu.
O que esperar na próxima semana
Com a abertura da Assembleia-Geral prevista para os próximos dias, o Itamaraty corre contra o tempo para resolver a questão dos vistos. O discurso de Lula, tradicionalmente o primeiro da lista, deverá reforçar as pautas de seu governo — incluindo clima, desigualdade social e críticas à ordem global liderada pelo Ocidente.
Enquanto isso, as imagens da comitiva brasileira em solo americano — ou sua ausência — dirão muito sobre o atual estado das relações entre Brasília e Washington.