Entenda como o Congresso modificou medidas que evitariam a fraude no INSS
A recente descoberta de um esquema bilionário de descontos indevidos nos pagamentos de aposentados e pensionistas do INSS trouxe à tona não apenas falhas operacionais, mas decisões legislativas que permitiram a perpetuação das fraudes desde 2019, segundo apuração da Polícia Federal (PF).
Investigações revelam que associações e entidades conseguiram realizar descontos não autorizados em benefícios previdenciários, lesando milhões de beneficiários e movimentando ao menos R$ 6 bilhões ao longo dos últimos anos.
Como o Congresso facilitou os descontos indevidos?
O ponto-chave da polêmica remonta à MP 871/2019, enviada pelo então presidente Jair Bolsonaro. A proposta original previa que aposentados deveriam revalidar anualmente qualquer desconto associativo, como forma de controle contra abusos.
No entanto, durante a tramitação no Congresso Nacional, deputados e senadores alteraram o texto, prorrogando o prazo de revalidação para cada três anos. Em seguida, medidas provisórias subsequentes acabaram por eliminar por completo a exigência de revalidação, através de dispositivos incluídos em outros projetos — os chamados “jabutis” legislativos.
O resultado foi uma porta aberta para fraudes, segundo a Polícia Federal: entidades passaram a realizar descontos sem qualquer autorização expressa ou renovada por parte dos beneficiários.
Impacto: mais de 2 milhões de vítimas e demissões no governo
O escândalo já provocou forte impacto político e administrativo:
Mais de 2 milhões de aposentados e pensionistas já formalizaram pedidos de devolução de valores descontados indevidamente.
O prejuízo estimado passa de R$ 6 bilhões.
Houve a exoneração do ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi, ambos envolvidos na condução do setor durante os períodos investigados.
Governo inicia reembolsos e mira reestruturação
Diante da pressão pública, o governo federal iniciou o processo de devolução dos valores a partir de 26 de maio, junto ao pagamento dos benefícios regulares. Para isso, o INSS reteve os valores cobrados, sem repassá-los às associações envolvidas, e agora realiza os reembolsos automaticamente.
Em paralelo, o ministro da Previdência, Wolney Queiroz, afirmou em audiência no Senado que a regulamentação dos descontos é responsabilidade do Congresso Nacional, mas admitiu que a prática será reavaliada no governo.
“O desconto em folha foi instituído por uma lei deste Congresso. Se este Congresso achar por bem que acabe qualquer tipo de desconto em folha, caberá a ele regulamentar”, declarou.
Propostas em análise no Congresso
No Legislativo, cresce a pressão por mudanças estruturais. Ao todo, 52 propostas estão em tramitação na Câmara dos Deputados com o objetivo de prevenir novos golpes contra aposentados.
Entre as mais relevantes está o projeto de lei do deputado Sidney Leite (PSD-AM), que:
Proíbe descontos associativos diretamente na folha de pagamento
Mantém apenas descontos legalmente obrigatórios, como:
Contribuições à Previdência
Imposto de Renda
Pensão alimentícia
Parcelas de empréstimos e financiamentos
A proposta teve pedido de urgência aprovado, mas ainda não tem data definida para votação em plenário. Há ainda movimento para criação de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investigue o escândalo em profundidade.
O que poderia ter evitado a fraude?
Especialistas apontam que a exigência anual de revalidação, proposta originalmente na MP 871, teria evitado grande parte das fraudes, pois obrigaria os beneficiários a renovar seu consentimento — algo que desmobilizaria esquemas de longo prazo.
Ao eliminar esse controle periódico, o Congresso criou um ambiente de permissividade que foi explorado por associações oportunistas e fraudulentas, com atuação ainda sob investigação.
E agora?
O caso se tornou um símbolo de como brechas legislativas e falta de fiscalização podem impactar diretamente os mais vulneráveis da sociedade. As próximas semanas serão decisivas para a aprovação de medidas de proteção mais rígidas e a responsabilização dos envolvidos, tanto no setor público quanto nas entidades privadas que se beneficiaram indevidamente dos descontos.