STF decide se testemunho de ‘ouvir dizer’ pode ser usado como prova em Tribunal do Júri

O Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar nos próximos meses se é legal levar uma pessoa a júri popular com base exclusivamente em depoimentos de testemunhas que não presenciaram o crime, mas apenas relatam o que ouviram de terceiros. A decisão terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os tribunais brasileiros e poderá afetar diretamente o andamento de processos penais em todo o país.

O caso em análise envolve um homem preso por outro crime no Rio Grande do Sul, acusado de ordenar o assassinato de dois comparsas supostamente por se recusarem a continuar traficando drogas. A acusação se baseia quase exclusivamente em depoimentos indiretos.

O que diz a acusação

De acordo com os autos, uma das principais testemunhas é a esposa de uma das vítimas, que afirmou ter “ouvido dizer” que o crime teve motivação passional. Outra testemunha, mãe da segunda vítima, também relatou ter escutado de terceiros que o réu fazia ligações ameaçadoras a partir da cadeia.

Mesmo sem provas materiais ou depoimentos diretos, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) pediu que o acusado fosse levado a julgamento pelo Tribunal do Júri.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a sentença de pronúncia não pode se basear apenas em relatos de “ouvir dizer” e concedeu habeas corpus ao réu. O MP-RS recorreu, e o caso chegou ao STF.

A discussão no STF

O recurso está sob a relatoria do ministro Flávio Dino, que destacou a importância de o STF definir os limites constitucionais da admissibilidade desse tipo de prova, também conhecida no direito norte-americano como “hearsay”.

“O Supremo Tribunal Federal deve, como guardião da Constituição, enfrentar o tema do ‘hearsay’ com a devida atenção, pois há decisões conflitantes e o tema está longe de ser simples”, afirmou Dino.

Segundo o relator, a prática do STJ de considerar essa prova como ilícita tem gerado insegurança jurídica e exige uniformização. Ele também ressaltou que o uso do testemunho indireto compromete o direito de defesa, uma vez que o acusado não pode confrontar diretamente a fonte original da informação.

O que está em jogo

O julgamento terá como foco três pontos principais:

  • Se o testemunho por “ouvir dizer” pode ser considerado prova válida no Brasil;

  • Se é possível que uma decisão de pronúncia (que envia o réu ao Tribunal do Júri) seja baseada apenas nesse tipo de prova;

  • Quais são os limites legais e constitucionais para o uso de depoimentos indiretos no processo penal.

Impacto nacional

A decisão do STF poderá rever ou validar condenações anteriores e impactar centenas de casos em andamento, especialmente aqueles que envolvem crimes cometidos em contextos de difícil apuração, como organizações criminosas, tráfico de drogas ou disputas passionais.

Caso o Supremo considere esse tipo de prova inadmissível, muitos processos podem ser anulados ou suspensos. Por outro lado, se a Corte decidir que o depoimento indireto pode fundamentar a pronúncia, a tendência é de fortalecer a atuação do Ministério Público e da polícia investigativa, mesmo com escassez de provas diretas.

Próximos passos

Ainda não há data marcada para o julgamento, mas o processo já teve a repercussão geral reconhecida, o que significa que a decisão tomada servirá de referência obrigatória para os demais tribunais do país.

Compartilhe nas redes sociais

Bruno Rigacci

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site usa cookies para garantir que você tenha a melhor experiência em nosso site! ACEPTAR
Aviso de cookies