Hugo Motta decide que não vai pautar urgência da anistia

Na noite da última quarta-feira (23), um jantar político realizado na residência oficial da presidência da Câmara dos Deputados escancarou uma das articulações mais sensíveis dos bastidores recentes do Congresso Nacional. Com a presença de líderes partidários e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o encontro girou em torno de um único tema: o Projeto de Lei da Anistia, que pretende perdoar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.

O anfitrião, presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), utilizou o momento para pedir apoio a uma ação coordenada: frear a tramitação acelerada do projeto. Segundo relatos, Motta manifestou preocupação com os riscos políticos e institucionais que a aprovação da urgência poderia gerar. Em tom direto, teria dito aos colegas: “Não me deixem sozinho com essa bomba na mão.”

Decisão oficial: anistia fora da pauta — por enquanto

Na manhã desta quinta-feira (24), a decisão foi oficializada: o projeto não será pautado nas próximas semanas. A escolha por desacelerar a discussão funciona como um movimento estratégico. O PL da Anistia, que divide o Congresso e a opinião pública, segue tramitando, mas agora em ritmo normal, passando pelas comissões temáticas antes de chegar ao plenário.

Essa manobra dá ao Congresso mais tempo para avaliar as repercussões da proposta — vista por críticos como uma ameaça ao Estado democrático de direito, e por apoiadores como um gesto necessário de “pacificação nacional”.

“Já vivemos uma crise institucional”, afirma Motta

Durante o jantar, Hugo Motta fez uma declaração que ressoou além das paredes da residência oficial:

“Estamos em crise institucional, essa é a realidade.”

A frase, dita em tom de desabafo, foi interpretada por interlocutores como um reconhecimento da tensão entre os Três Poderes. Para analistas, o comentário marca uma mudança de tom do presidente da Câmara, que vinha tentando manter postura mais institucional e distante dos embates entre Judiciário e setores do Legislativo.

Presença de Lula: peso simbólico, silêncio estratégico

O presidente Lula participou do jantar, mas evitou se posicionar publicamente sobre o projeto de anistia. Segundo fontes do Planalto, o presidente considera o texto uma armadilha política e teme que sua aprovação represente um embate direto com o Supremo Tribunal Federal (STF), que lidera os processos e condenações dos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro.

Lula, no entanto, conversou com parlamentares e, de forma reservada, deixou clara sua preocupação com a instabilidade institucional que a medida poderia aprofundar.

Centrão dividido, bolsonarismo em alerta

No Congresso, o projeto segue gerando divisões. Deputados mais alinhados ao bolsonarismo defendem a anistia como um “ato de justiça”. Já parlamentares ligados ao centro político e à legalidade constitucional enxergam o texto como perigoso, capaz de enfraquecer o Judiciário e institucionalizar o perdão a crimes contra a democracia.

O Centrão — grupo ao qual Hugo Motta também se vincula — tem adotado postura de cautela. A preocupação vai além da imagem pública: trata-se de calcular os impactos jurídicos, eleitorais e de governabilidade que a medida pode provocar.

O PL da Anistia ainda respira

Apesar do recuo, o projeto não está enterrado. O fato de não ter sido pautado em regime de urgência não impede que volte à agenda do plenário em momento mais oportuno. A estratégia de Motta é, por ora, ganhar tempo e tentar construir consenso, ou ao menos evitar confronto direto entre as forças políticas e o STF.

Sinal amarelo para a democracia

O adiamento da votação representa, para muitos, um alívio momentâneo. Mas o simples fato de um projeto com potencial de anistiar crimes contra a ordem democrática ter chegado tão próximo da votação emergencial expõe uma vulnerabilidade preocupante no sistema político brasileiro.

Com os próximos meses marcados por julgamentos, articulações eleitorais e possíveis embates entre os Poderes, o episódio reforça um alerta já aceso nos bastidores de Brasília: a democracia brasileira segue sendo testada — e sua defesa, mais do que nunca, exige vigilância constante.

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Bruno Rigacci

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