Moraes é juiz com ‘poder excessivo’ e Supremo deve exercer ‘moderação’, diz The Economist
A revista britânica The Economist publicou nesta quarta-feira (16) um artigo crítico ao Supremo Tribunal Federal (STF), sugerindo que a corte brasileira corre o risco de mergulhar em uma crise de confiança se não exercer mais moderação em suas decisões, especialmente em casos de forte conotação política.
No centro da análise está o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de liderar uma trama golpista. A revista recomenda que esse julgamento seja feito pelo Plenário do STF, composto pelos 11 ministros, e não pela Primeira Turma, onde o caso está atualmente sendo analisado. O grupo responsável inclui os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino e Cármen Lúcia. A composição da turma é alvo de questionamentos por conter figuras próximas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como Zanin, ex-advogado pessoal do petista, e Dino, ex-ministro da Justiça de seu governo.
A publicação destaca que essa configuração pode reforçar a percepção de que o Supremo é guiado mais por interesses políticos do que por critérios jurídicos. Segundo o texto, para restaurar sua imagem de imparcialidade, a corte precisa se afastar dessa aparência de partidarismo.
A atuação do ministro Alexandre de Moraes foi duramente criticada. A revista aponta que ele tem exercido “poderes surpreendentemente amplos”, especialmente contra políticos e apoiadores de direita, e que decisões monocráticas em questões políticas sensíveis devem ser evitadas. O bloqueio temporário da plataforma X (antigo Twitter) no Brasil e o congelamento de contas bancárias da Starlink, ambas de propriedade de Elon Musk, foram citados como exemplos do alcance dessas decisões.
Outro episódio mencionado foi a suspensão da extradição de um cidadão búlgaro acusado de crimes na Espanha. Moraes justificou a decisão com base na falta de reciprocidade da Espanha em casos anteriores. Ele também solicitou explicações ao embaixador espanhol no Brasil e determinou prisão domiciliar ao investigado. Para a revista, essas ações reforçam a impressão de que o poder do Judiciário está além dos limites aceitáveis em uma democracia.
O texto também traça um panorama da fragilidade das instituições brasileiras, destacando que todos os presidentes desde 2003 enfrentaram acusações de corrupção ou crimes relacionados. O artigo menciona o impeachment de Dilma Rousseff, a prisão de Lula, posteriormente anulada, e as acusações contra Bolsonaro, que vão desde tentativa de golpe até plano para assassinar autoridades como Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Apesar das críticas, The Economist reconhece momentos importantes do STF em prol da legalidade, como o julgamento do mensalão, em 2012, que expôs o envolvimento de parlamentares em esquemas de corrupção. A corte também foi central nas decisões da Operação Lava Jato, ainda que tenha revertido parte de seus efeitos ao anular as condenações de Lula, o que gerou mais desgaste na opinião pública.
A atuação dos ministros também foi colocada em foco individualmente. Moraes voltou a ser citado por afirmar que não vê necessidade de um código de ética para o Supremo, enquanto José Antonio Dias Toffoli foi lembrado por anular provas da Lava Jato e abrir investigação contra a Transparência Internacional. Gilmar Mendes também foi mencionado pelo seu envolvimento com o Fórum Jurídico de Lisboa, que reúne figuras influentes da política e da economia.
A publicação destaca ainda que os amplos poderes do STF têm respaldo constitucional, mas alerta para os riscos de a corte se tornar protagonista político em razão da omissão do Congresso Nacional e da fragilidade do Executivo. Projetos relevantes como o PL das Fake News seguem estagnados no Legislativo, enquanto propostas controversas, como a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, ganham força.
Para a revista, o Brasil enfrenta uma “ameaça tripla”: a deterioração da qualidade das decisões do STF, a perda de apoio popular à medida que a corte se politiza e o risco de que o Supremo se torne um instrumento de repressão em vez de guardião das liberdades. Uma pesquisa do PoderData, citada no texto, aponta que apenas 12% dos brasileiros avaliam o desempenho do tribunal como “bom” ou “ótimo”, número que já foi de 31% em 2022.
O artigo conclui que, diante da perda de legitimidade do Executivo e dos impasses no Legislativo, o STF precisa agir com responsabilidade. A confiança da população no Judiciário é o que ainda sustenta o equilíbrio institucional do país. Segundo a publicação, preservar essa confiança é essencial para evitar uma crise generalizada nas instituições democráticas brasileiras.