Quase 30% da exportação do Brasil aos EUA está livre de sobretaxa de 10%
Em meio à crescente tensão comercial entre os Estados Unidos e seus parceiros internacionais, o Brasil conseguiu escapar parcialmente dos impactos diretos da nova tarifa adicional de 10% imposta pelo ex-presidente Donald Trump. Segundo levantamento divulgado pela Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio), 27% das exportações brasileiras aos EUA – o equivalente a US$ 11,4 bilhões – não serão atingidas pela sobretaxa.
Esses produtos constam no Anexo 2 da ordem executiva que estabeleceu o tarifaço em vigor desde 5 de abril de 2025. O foco das isenções recai sobre dois grandes setores de peso no comércio exterior brasileiro: combustíveis minerais e madeira e obras de madeira. A notícia traz um alívio parcial ao agronegócio e à indústria de base, mas também acende alertas quanto às investigações em curso e à continuidade das negociações diplomáticas.
Isenção Tarifária: Oportunidade para o Brasil
A maior parte dos produtos isentos está no setor de combustíveis minerais, com impressionantes 74,2% de participação dentro dos US$ 11,4 bilhões que continuarão livres da tarifa de 10%. Em seguida vêm madeira e obras de madeira, com 9,3%, produtos químicos inorgânicos (5%), e pedras e metais preciosos (2,5%). No total, são 1.039 itens, organizados em 24 grupos de produtos, que seguirão isentos da nova barreira tarifária.
Para o setor de exportação, essa isenção representa não apenas um fôlego financeiro, mas também uma oportunidade estratégica de reforçar as relações comerciais com os EUA, mesmo em um contexto global de protecionismo crescente. Especialistas em comércio internacional destacam que essa é uma chance para o Brasil diversificar sua pauta exportadora, valorizando setores que tradicionalmente ocupam menos espaço na balança comercial.
Tarifa adicional de 10% e contexto geopolítico
A sobretaxa determinada por Trump faz parte de um pacote mais amplo de medidas protecionistas com foco em segurança nacional e retomada industrial americana. O ex-presidente, em nova campanha presidencial e com apoio renovado em setores industriais, retomou a retórica de “America First” (América Primeiro), mirando inclusive países aliados, como o Brasil.
O governo brasileiro, por sua vez, já confirmou os dados levantados pela Amcham e vê na atual situação uma brecha diplomática. Técnicos do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) continuam em tratativas com o Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), com o objetivo de ampliar a lista de exceções e buscar redução da tarifa de 10%, especialmente para setores que têm forte impacto econômico nacional, como o agronegócio e a indústria química.
Investigação sobre produtos de madeira: um alerta no horizonte
Apesar de a madeira estar entre os produtos isentos da tarifa adicional, a Amcham e técnicos do governo brasileiro chamam atenção para um ponto crítico: os produtos derivados de madeira estão sendo investigados pelos EUA desde março, sob alegação de risco à segurança nacional. O setor representa cerca de 3,7% das exportações brasileiras aos EUA, e a investigação pode levar à imposição de novas restrições nos próximos meses.
Essa situação gera insegurança jurídica e comercial, principalmente para exportadores brasileiros de madeira e carvão vegetal, que agora enfrentam o risco de sanções comerciais mais severas, como restrições quantitativas, bloqueio de transações financeiras ou até congelamento de ativos, medidas previstas nas leis de segurança nacional norte-americanas.
O aço e o alumínio seguem sobretaxados
Outro setor afetado diretamente pelas medidas do governo Trump é o de aço e alumínio. Mesmo antes do tarifaço de 10%, esses produtos já enfrentavam sobretaxas de 25%, também justificadas por alegações de segurança nacional. As novas medidas mantêm essas tarifas, sem oferecer novas isenções ou flexibilizações, o que mantém o segmento siderúrgico brasileiro sob forte pressão.
O Itamaraty, ciente da importância estratégica do setor, tenta negociar a suspensão ou revisão das tarifas sobre o aço, ainda que Trump tenha deixado claro que qualquer alívio dependerá de “garantias comerciais e de segurança mútua”. Até o momento, o Brasil não conseguiu obter nenhuma flexibilização relevante nesse setor.
Peso das isenções na balança comercial dos EUA
O estudo da Amcham também revelou que os produtos isentos da nova tarifa representam cerca de 20% de toda a importação norte-americana em 2024 — um volume estimado em US$ 655,4 bilhões. Dentro desse universo, 68,5% estão concentrados em dois setores: combustíveis minerais e produtos farmacêuticos, o que mostra a importância estratégica desses itens para a segurança energética e sanitária dos Estados Unidos.
Esse dado ajuda a explicar por que muitos produtos brasileiros, especialmente do setor energético, ficaram de fora da tarifa extra. Há um claro interesse dos EUA em manter fontes estáveis e confiáveis de energia, o que abre espaço para o Brasil reforçar seu papel de fornecedor seguro, especialmente com a crescente demanda por biocombustíveis e petróleo leve.
Segurança nacional e os poderes presidenciais dos EUA
A Amcham também chamou atenção para o fato de que os produtos atualmente isentos da tarifa adicional podem, eventualmente, ser alvos de outras medidas sob diferentes legislações norte-americanas. O presidente dos EUA detém amplos poderes legais para lidar com ameaças à segurança nacional, o que inclui desde o bloqueio de importações até o congelamento de ativos de empresas ou países inteiros.
Por isso, mesmo os produtos fora da atual tarifa precisam ser analisados “caso a caso”, alerta a instituição. Isso significa que exportadores brasileiros devem redobrar o acompanhamento regulatório e manter um canal ativo com autoridades comerciais e diplomáticas, para evitar surpresas tarifárias ou operacionais.
Perspectivas para o comércio bilateral Brasil-EUA
Com a nova onda de protecionismo nos EUA, o Brasil enfrenta o desafio de manter sua competitividade, especialmente em produtos industrializados, que são os mais sensíveis às tarifas e barreiras não tarifárias. Por outro lado, a isenção para quase 30% das exportações aponta um espaço importante de diálogo e aprofundamento comercial entre os dois países.
O canal aberto entre Itamaraty e USTR é uma janela de oportunidade para revisar acordos bilaterais, negociar barreiras sanitárias e técnicas, e talvez até discutir preferências tarifárias específicas. Além disso, empresas brasileiras devem explorar incentivos à exportação, inteligência de mercado e estratégias de compliance para ampliar sua presença no mercado norte-americano, o segundo maior destino de produtos brasileiros no mundo.
Conclusão
Em um momento de instabilidade nas relações comerciais globais, a isenção de 27% das exportações brasileiras da nova tarifa imposta por Trump é um alento estratégico. Embora setores como aço e madeira ainda enfrentem riscos, o Brasil mostra capacidade de negociação e espaço para avançar em novos acordos. A diplomacia comercial se torna, mais do que nunca, uma ferramenta essencial para proteger empregos, manter o superávit da balança comercial e garantir previsibilidade ao setor exportador. O caminho exige atenção, agilidade e diálogo constante entre governo, empresas e entidades do comércio internacional.